segunda-feira, 11 de abril de 2016

Uma escola interessante, apesar das circunstâncias



UMA ESCOLA INTERESSANTE, APESAR DAS CIRCUNSTÂNCIAS

Findava o tempo de aula, uma aula de filosofia para uma classe matutina da Terceira Série do Ensino Médio; nesse dia houvera uma prova. Antes do término da aula, alheios a prova da citada disciplina, vários estudantes discutiam. Eu que me fazia professor, pela força das convenções que me imprimiam tal epíteto, fascinado, e, ao mesmo tempo preocupado, tentava diminuir o ímpeto dos alunos promovedores de uma "centrada" balburdia. Centrada sim, pois, apesar da desordem das falas e sons, a tertúlia, de alunos que já haviam entregado a prova de filosofia, tinha um tema específico: questões de biologia. Minha preocupação se dava pelo fato de outros, também estudantes, ainda estarem em uma séria relação com os problemas da prova de filosofia.
O que relato, ocorreu em uma sala de aula, em uma escola periférica. Apesar de certa preocupação com a algazarra promovida pelos estudantes que, envolvidos em seus grupos, buscavam, desordenadamente, relembrar os temas de biologia que dissertariam na próxima aula -, passei, risonho, a refletir sobre a ambiência de ensino aprendizagem que chamamos de escola. Ponderando, ressaltei, mentalmente, a riqueza do ambiente escolar -; apesar das várias críticas, esse ambiente é ainda capaz de levar o jovem, envolvido com os prazeres da tecnologia, a se preocupar, e se envolver, com questões tão antigas, de biologia e filosofia, que se misturam com as primeiras preocupações do homem envolvido na novidade civilizatória que costumamos chamar de razão -. Pensei: há um equívoco na crítica mordaz a esse modelo de escola. Pois, apesar das falhas das políticas estatais, das gestões e docências, ainda testemunho jovens, com todas as suas facilidades e vícios tecnológicos, encantados com o saber dialogal e dialógico promovido nas salas de aulas, onde os saberes são humanamente partilhados, e a exposição do conhecimento provoca o humano prazer de absorver, expor e partilhar.
Envolvido com a preocupação de garantir a qualidade auditiva para os estudantes que tão seriamente estavam a se relacionar com as questões da prova de filosofia, com o encantamento duplo da relação séria dos estudantes com a prova, e com os demais que já haviam entregado e resolvido as questões filosóficas, que coloquiavam sobre temas de biologia, eu pedia silêncio e, ao mesmo tempo sorria. Observando minha postura, preocupada e feliz, sem entender com clareza meu posicionamento diante da sala, grave, e, ao mesmo tempo, sorridente, um aluno me perguntou: "por que você está rindo, professor?". Disse a ele: "estou encantado com tudo isso; e vou escrever o que testemunho". Na verdade, pensei em dizer, estou encantado e preocupado com tudo isso. Porém, como a preocupação com a centrada balbúrdia era menor do que o encantamento, preferi omiti-la, ressaltando somente o meu encantamento em ver jovens, em pleno Século XXI, estudantes da maltratada rede de ensino público, em uma escola periférica, envolvidos seriamente em uma tertúlia pós-prova sobre questões biológicas, enquanto outros, ainda dentro da prova, seriamente se relacionavam com as questões filosóficas do homem e de suas construções estruturais, históricas, civilizatórias e culturais.
Cumpri minha promessa, pensando não apenas na fidelidade da promessa, mas, principalmente, em levar pessoas envolvidas na educação, a refletir sobre a riqueza que se faz a sala de aula, quando conseguem incitar crianças, jovens, ou adultos, ao abandono das posturas e práticas cotidianas, e costumeiras, em favor do alcance do conhecimento, valorizado pelo amor e ênfase que dão pelo saber que estão a partilhar, ou pelo estímulo que provocam naqueles que estão a lhe ouvir e observar. Se é inegável o fato de que há problemas no atual modelo de escola, não podemos negar, também, que mesmo em meio as circunstâncias difíceis para a efetivação de uma adequada educação, pode-se testemunhar interessantes eventos e ocorrências envolvendo alunos e professores em busca da partilha e da apropriação de saberes compartilhados no atual ambiente escolar. Se são visíveis os problemas que levam a classe docente a busca de mudanças, é visível também, que o encantamento pelo saber não está relacionado "estritamente" a qualidade técnico-espácio-estrutural oferecida pela escola - , embora esses recursos sejam muito importantes -, relaciona-se, mais diretamente, a qualidade humana, que está a apresentar e compartilhar saberes.

Lailson Castanha