quinta-feira, 7 de julho de 2016

A indagação como instrumento de desvelamento



A INDAGAÇÃO COM INSTRUMENTO DE DESVELANENTO

A mudez aparente das coisas é apenas a espera educada por nossas perguntas.[1]
(José Antonio Marina)

Segundo o filósofo espanhol José Ortega y Gasset (09.05.1883 - 18.10.1955), antes de a prática filosófica assumir o termo filosofia como palavra definidora, chamava-se alethéia -, ou seja, desvelamento -. Isso indica que a prática filosófica é, entre outras definições, um ato de desvelar, revelar o que está oculto. Sócrates, o inspirador filósofo grego ( 469- 399 a.C), para auxiliar os circunstantes de sua época a encontrar a verdade, se valia da maiêutica, uma série de perguntas direcionadas a determinados interlocutores, aprofundadas a partir de suas respostas. Essas perguntas, levavam o sujeito interrogado a pensar e repensar sobre suas convicções, levando-os, muitas vezes, a adoção de novas ideias. A palavra maiêutica, origina-se do grego maieutike - o mesmo que: arte de partejar -, indicando que as perguntas direcionadas por Sócrates, tinham o fim de auxiliar o sujeito, por ele interrogado, a dar a luz a ideias gestadas em sua mente, e que, sem esse auxílio, teria dificuldade de expô-las, ou mesmo de encontrá-las.
A prática indagativa auxilia-nos ao encontro de realidades ocultas pelas cortinas do labor, dos costumes, dogmas e tradições. Essas cortinas omitem profundas ideias, fazendo com que muitos entendam que a realidade possível é, exatamente, o que está disposto ao seu entendimento, a partir de sua imediata apreensão. O ato de indagar, pode levar uma pessoa a romper com o que está estabelecido como verdade absoluta, a perceber que a totalidade do real não se esgota nas afirmações comumente pronunciadas pelo senso comum.
Jostein Gaarder (8 de agosto de 1952), escritor e filósofo norueguês, na voz de um de seus personagens, na ficção filosófica "O mundo de Sophia", compara os adultos a pessoas que nasceram em um coelho. Esses viventes, quando crianças, se estabelecem na ponta dos pelos do coelho, podendo ver o que se estabelece fora daquela macia pelugem. Porém, quando se tornam adultos, descem; tornam-se acomodados e não mais exploram, subindo nos pelos até as pontas, a realidade fora do dorso do coelho. Semelhantemente, os viventes humanos, quando crianças, exploram o mundo e os mundos possíveis com suas constantes indagações: o que é isso? Pra que serve?  É bom? Por que é bom?, etc. Geralmente, quando adultos, abandonam as perguntas, acomodando-se a realidade dada, exposta ou convencionada. Se voltarem a intensamente perguntar sobre as coisas, suas possibilidades, sobre o certo ou errado, e o porque de tais assentimentos, sobre realidades pensadas, porém, não concretamente percebidas, certamente se depararão com novas e interessantes realidades, veladas pelo véu de nossa ignorância, ou pelas, já destacadas, cortinas: do labor, dos costumes, dogmas e tradições.  Como afirma Miguel Reale "conhecer é conhecer algo de algo"[2], portanto, com o fim de aprofundar o nosso conhecimento, devemos perguntar sobre tudo o que se nos apresenta, para levar as coisas a se despir, revelando o que delas ainda está oculto.

Lailson Castanha

[1] MARINA, José Antonio. Teoria da inteligência criadora; tradução Antonio Fernando Borges. 1ed. Rio de Janeiro: Guarda-Chuva, 2009. p.96.
[2] REALE, Miguel. Verdade e conjuntura. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1983. p.56.