terça-feira, 25 de junho de 2013

NESTA CALÇADA

NESTA CALÇADA
Sidney Wanderley

Piso
nesta calçada
em que outrora tantos outros trafegaram
os que ainda respiram, os que já se foram
os que neste momento agonizam e se encolhem
no estreito espaço que separa a vida e a morte

piso
sobre as marcas indeléveis e invisíveis
das passadas de humanos que ignoro
e no entanto, como eu, aqui passaram;
das passadas de um menino que já fui
há quinze anos correndo sobre esta mesma calçada:
os passos lépidos, os pés diminutos, sorriso nas faces
sem marcas de dissabores, madureza, sofrimento
e um sol morno em meus olhos , em meu dorso

piso
nesta calçada
e com a sola gasta dos sapatos
nela escrevo uma palavra: VIDA,
como poderia ter escrito SANGUE
FÊMEA BLUSA
ÂMBAR
ou até meso KXPTY,
fosse eu abstrato e concretista,
mas a VIDA é o que, por ora, bate fundo nas retinas
como botas militares marchando por sobre o asfalto

por sobre a calçada
piso
piso e me arguo
de nós dois qual aquele que mudou:
se o poeta? Se a calçada?
E uma brisa discreta eriça meus pelos
e refresca meu corpo
sussurra-me como disse Heráclito 
que não se adentra, que não se caminha duas vezes
o mesmo rio, pela mesma calçada

piso
como se fosse o último sobrevivente de minha espécie
passeando sobre a calçada única do Universo
e entanto sei-me igual a tantos outros:
duas pernas, muitos passos, um caminho
e sei — talvez bem mais que os outros —
ser esta calçada em que minha sombra se projeta
nada mais que discreta notícia, infindo rol
de incontáveis viventes que por aqui passaram

piso
por isto piso assim
nesta calçada:
tão senhor dela
e de mim.


Sidney Wanderley.
Poeta alagoano; nasceu no município de Viçosa em outubro de 1951. Revisor. Professor de Biologia.
Publicou vários livros, entre eles:
Poemas post-húmus (1991); Nesta calçada (1995);Quisera ter a beleza que (1997); De Riacho do Meio a Viçosa de Alagoas (1998); Na Pele do Lago (1999); Desde Sempre (2000); Três Vozes Nordestinas (2001); Entropia (2004); Chuva e não (2009); Dias de sim (2012).

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WANDERLEY, Sidney. Nesta calçada. São Paulo: Iluminuras, 1995.
Imagem: Livro Nesta Calçada, de Sidney Wanderley

segunda-feira, 10 de junho de 2013

LIBERDADE

LIBERDADE

Algemas prendem meus pulsos frágeis...
IDEALISTA, ROMANTICA, SONHADORA.
Massas esmagadoras, contraditórias,
Que nem mesmo sabem no que acreditam,
Tiram-me o direito de revelar minha face.

Direito...
Apenas direito de ser eu mesma,
Não apenas num instante,
Contrariando os perfis impecáveis, a mim imposta,
Acreditando e revelando meus genuínos pensamentos.

Meu avesso, revela intocável,
Sem o toque dos manipuladores.
Esquadrinho meus pensamentos,
Descubro pureza na alma,
Sou eu mesma, sem as manobras dos seres.

Idealizo... Sublime concretizo,
O real valor do genuíno.
Sem os aplausos das massas,
Conformismos dos fracos,
Seguirei meu caminho, resoluto,
Sou um ser pensante, nada me detém.

Sonho... Idealizo um mundo melhor,
Que não sufoque os anseios, a essência.
Amo com a mesma forca que vivo,
Discriminada sou, por não ser como a maioria,
Sou autêntica, inconformada com a mediocridade,
Quero minha liberdade, preciso da minha alforria.

Liliane Castanha
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Imagem: A Condição Humana, de René Magritte