quinta-feira, 23 de outubro de 2014

À procura de filhos


À PROCURA DE FILHOS

Um grande vazio invade o coração de uma mãe que se encontra longe de seus filhos. Os mesmos filhos pelos quais ela se doou, sofreu  e procurou ainda que errando ou acertando oferecer-lhes o melhor que podia. Aqueles mesmos filhos para os quais ela trazia o pãozinho e a “mistura” oferecidos pela fábrica onde trabalhava, para amenizar a fome ou a vontade de comer algo que não era comum em casa. Os filhos cresceram  e o que ela pode oferecer  nesse processo foi um pouco de quase nada; nada de cultura, nada de preparo para a vida, nada de orientação, mas muito, muito exemplo de mulher de trabalho, de lida, mulher que passava o fim semana lavando roupa no tanque puxando água do poço e cantando de com o rádio alto. Estendia no  varal inúmeras peças de roupas muito brancas, aliás, azuladas pelo anil e, em poucos minutos....  lá se ia o varal  ao  chão  e começava-se tudo outra vez.  Essa mesma mulher de Capão Redondo se preocupava com a filha mais velha que mesmo casada e morando no bairro do Brooklin (uau!), contratava uma empregada para faxinar a casa da filha que estava grávida e com hepatite . Quantas vezes saía atrás do filho mais novo que não se sabia por onde andava. Pagava todas as contas que ele fazia quando  ele decidia sair pra vender biju ou sorvete que,  na hora da fome comia os produtos da caixa. Ainda alugou casa para que ele pudesse morar com a garota que estava grávida dele e pagava o aluguel fielmente. Com a segunda filha muitas preocupações com relação a saúde dela e mais tarde sofria pela distância. Quanto a mim, lembro-me bem do quanto eu era respondona e birrenta e como pude contar com a ajuda da mamãe em toda a minha em diversas ocasiões, especialmente  com relação aos meus filhos.
Ela envelheceu, sempre se doando, do jeito que podia , foi então que descobri que AMOR não é sentimento, pois amar  através de palavras é muito fácil. A palavra amor virou clichê de inúmeras situações, inclusive as repudiáveis. Os mais banais ou mais vis dos desejos é muitas vezes expresso pela palavra amor. Então, amor sem atitude não é amor, pois AMOR é ATITUDE, amar é abrir mão, amar é se privar de algo em prol de outrem, amar é doar-se.  Aprendi com a mamãe e tenho o privilégio de compartilhar com meu marido , meus filhos, netas..... Diante de tudo isso,  me sinto no dever de no mínimo  amá-la. 
Nossa mãezinha está desistindo de viver. Ela tem um vazio para ser preenchido por filhos que a amem, filhos que façam por ela, filhos que resgatem-na pois ela foi esquecida, omitida e desprezada pelos mesmos filhos por quem ela se doou. Filhos que encontram-se em sua zona de conforto e que através de um telefonema sentem-se com a consciência tranqüila como que   tarefa cumprida.

 Procura-se uma filha que faz uma longa viagem e se conforma em passar uma tarde com a mãe e tem o descaramento de dizer “ ainda bem que nós temos a mamãe, ela está muito viva dentro do meu coração” . É, realmente bem lá dentro, tão lá dentro que nem dá pra alcançar.

Procura-se um filho que se digne a pegar um ônibus na porta de sua casa e vir ver a mãe, esse mesmo filho que ela visitou no início das  férias e por quem ela perguntou durante   3 semanas e ainda que ela estivesse  na cidade vizinha ele não se dignou a visitá-la.

Procura-se filhos que honrem seus pais conforme o mandamento, a quem  O Criador promete bênçãos sem medida.
Procuram-se filhos que se lembrem que também têm filhos e que a vida se encarrega de cobrar.

Procura-se os filhos  da mamãe, antes que ela lhes esqueça a fisionomia.
Procura-se  filhos que amem a mamãe, antes que ela se vá e seja muito tarde para chorar.

Ao ver o declínio rápido da mamãe nos últimos dias minhas lágrimas rolam mesmo sem eu querer. Não sei em que caso  ela se encaixa;  aquele que a pessoa se entrega e logo deixa de viver ou aquele em que a pessoa desiste de viver e fica por anos em cima de uma cama. Mas de uma coisa eu sei, ela está desistindo de viver.

Procura-se filhos que ainda que se sintam impotentes diante de uma cruel realidade, não se conformem em desistir da única mãe que têm.

Edna Albuquerque (filha).
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Imagem: Mãe de Whistler (1871), de James McNeill Whistler

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