UMA
ESCOLA INTERESSANTE, APESAR DAS CIRCUNSTÂNCIAS
Findava o tempo de aula, uma aula de filosofia para
uma classe matutina da Terceira Série do Ensino Médio; nesse dia houvera uma
prova. Antes do término da aula, alheios a prova da citada disciplina, vários
estudantes discutiam. Eu que me fazia professor, pela força das convenções que
me imprimiam tal epíteto, fascinado, e, ao mesmo tempo preocupado, tentava
diminuir o ímpeto dos alunos promovedores de uma "centrada"
balburdia. Centrada sim, pois, apesar da desordem das falas e sons, a tertúlia,
de alunos que já haviam entregado a prova de filosofia, tinha um tema
específico: questões de biologia. Minha preocupação se dava pelo fato de
outros, também estudantes, ainda estarem em uma séria relação com os problemas
da prova de filosofia.
O que relato, ocorreu em uma sala de aula, em uma
escola periférica. Apesar de certa preocupação com a algazarra promovida pelos
estudantes que, envolvidos em seus grupos, buscavam, desordenadamente,
relembrar os temas de biologia que dissertariam na próxima aula -, passei,
risonho, a refletir sobre a ambiência de ensino aprendizagem que chamamos de
escola. Ponderando, ressaltei, mentalmente, a riqueza do ambiente escolar -;
apesar das várias críticas, esse ambiente é ainda capaz de levar o jovem,
envolvido com os prazeres da tecnologia, a se preocupar, e se envolver, com
questões tão antigas, de biologia e filosofia, que se misturam com as primeiras
preocupações do homem envolvido na novidade civilizatória que costumamos chamar
de razão -. Pensei: há um equívoco na crítica mordaz a esse modelo de escola.
Pois, apesar das falhas das políticas estatais, das gestões e docências, ainda
testemunho jovens, com todas as suas facilidades e vícios tecnológicos,
encantados com o saber dialogal e dialógico promovido nas salas de aulas, onde
os saberes são humanamente partilhados, e a exposição do conhecimento provoca o
humano prazer de absorver, expor e partilhar.
Envolvido com a preocupação de garantir a qualidade
auditiva para os estudantes que tão seriamente estavam a se relacionar com as
questões da prova de filosofia, com o encantamento duplo da relação séria dos
estudantes com a prova, e com os demais que já haviam entregado e resolvido as
questões filosóficas, que coloquiavam sobre temas de biologia, eu pedia silêncio
e, ao mesmo tempo sorria. Observando minha postura, preocupada e feliz, sem
entender com clareza meu posicionamento diante da sala, grave, e, ao mesmo
tempo, sorridente, um aluno me perguntou: "por que você está rindo,
professor?". Disse a ele: "estou encantado com tudo isso; e vou
escrever o que testemunho". Na verdade, pensei em dizer, estou encantado e
preocupado com tudo isso. Porém, como a preocupação com a centrada balbúrdia
era menor do que o encantamento, preferi omiti-la, ressaltando somente o meu
encantamento em ver jovens, em pleno Século XXI, estudantes da maltratada rede
de ensino público, em uma escola periférica, envolvidos seriamente em uma
tertúlia pós-prova sobre questões biológicas, enquanto outros, ainda dentro da
prova, seriamente se relacionavam com as questões filosóficas do homem e de
suas construções estruturais, históricas, civilizatórias e culturais.
Cumpri minha promessa, pensando não apenas na
fidelidade da promessa, mas, principalmente, em levar pessoas envolvidas na
educação, a refletir sobre a riqueza que se faz a sala de aula, quando
conseguem incitar crianças, jovens, ou adultos, ao abandono das posturas e
práticas cotidianas, e costumeiras, em favor do alcance do conhecimento,
valorizado pelo amor e ênfase que dão pelo saber que estão a partilhar, ou pelo
estímulo que provocam naqueles que estão a lhe ouvir e observar. Se é inegável
o fato de que há problemas no atual modelo de escola, não podemos negar,
também, que mesmo em meio as circunstâncias difíceis para a efetivação de uma
adequada educação, pode-se testemunhar interessantes eventos e ocorrências
envolvendo alunos e professores em busca da partilha e da apropriação de
saberes compartilhados no atual ambiente escolar. Se são visíveis os problemas
que levam a classe docente a busca de mudanças, é visível também, que o
encantamento pelo saber não está relacionado "estritamente" a
qualidade técnico-espácio-estrutural oferecida pela escola - , embora esses
recursos sejam muito importantes -, relaciona-se, mais diretamente, a qualidade
humana, que está a apresentar e compartilhar saberes.
Lailson Castanha
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