terça-feira, 4 de maio de 2010

PRECE À BOCA DA MINHA ALMA

Nauro Machado

Não te transformes em bicho,
ó forma incorpórea minha,
só porque animal capricho
perdeu o humano que eu tinha.

Guarda, do animal, o alheio
esquecimento. E somente.
Mas lembra aquele outro seio
que te nutriu a boca e a mente.

E recorda, sobretudo,
que não babas ou engatinhas,
a não ser quando te escuto
pelos becos, dentre as vinhas.

Vive como um homem morre:
em solidão e na esperança.
guardando a fé que socorre
em mim, semivelho, a criança.

Mas não te tornes em bicho,
nem percas o ser humano,
só porque a tara (ou o capricho)
deu-me este existir insano.

Do Eterno Indeferido (1971)

Nauro Machado é um poeta, ensaista e escritor brasileiro.
Nasceu em São Luiz do Maranhão no dia 2 de agosto de 1935.

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