segunda-feira, 10 de novembro de 2014

Assumindo as circunstâncias

ASSUMINDO AS CIRCUNSTÂNCIAS


Desistir ou prosseguir? Se entregar ou lutar? Se acomodar ou agir?

Sabendo que a opção pela desistência não nos levará à satisfação, pois desistir se faz continuação do que está feito, do que está dado -, por mais que sejamos tentados a parar, provocados pela angústia advinda dos infortúnios -, resta-nos a assunção do que deve ser feito, pois, assumir o que deve ser feito é a única condição para quem deseja vivenciar avanços e transformações, sejam elas práticas ou subjetivas, materiais ou espirituais.
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Foto: Gabriel Castanha no alto de Sto Antônio do Pinhal

quinta-feira, 23 de outubro de 2014

À procura de filhos


À PROCURA DE FILHOS

Um grande vazio invade o coração de uma mãe que se encontra longe de seus filhos. Os mesmos filhos pelos quais ela se doou, sofreu  e procurou ainda que errando ou acertando oferecer-lhes o melhor que podia. Aqueles mesmos filhos para os quais ela trazia o pãozinho e a “mistura” oferecidos pela fábrica onde trabalhava, para amenizar a fome ou a vontade de comer algo que não era comum em casa. Os filhos cresceram  e o que ela pode oferecer  nesse processo foi um pouco de quase nada; nada de cultura, nada de preparo para a vida, nada de orientação, mas muito, muito exemplo de mulher de trabalho, de lida, mulher que passava o fim semana lavando roupa no tanque puxando água do poço e cantando de com o rádio alto. Estendia no  varal inúmeras peças de roupas muito brancas, aliás, azuladas pelo anil e, em poucos minutos....  lá se ia o varal  ao  chão  e começava-se tudo outra vez.  Essa mesma mulher de Capão Redondo se preocupava com a filha mais velha que mesmo casada e morando no bairro do Brooklin (uau!), contratava uma empregada para faxinar a casa da filha que estava grávida e com hepatite . Quantas vezes saía atrás do filho mais novo que não se sabia por onde andava. Pagava todas as contas que ele fazia quando  ele decidia sair pra vender biju ou sorvete que,  na hora da fome comia os produtos da caixa. Ainda alugou casa para que ele pudesse morar com a garota que estava grávida dele e pagava o aluguel fielmente. Com a segunda filha muitas preocupações com relação a saúde dela e mais tarde sofria pela distância. Quanto a mim, lembro-me bem do quanto eu era respondona e birrenta e como pude contar com a ajuda da mamãe em toda a minha em diversas ocasiões, especialmente  com relação aos meus filhos.
Ela envelheceu, sempre se doando, do jeito que podia , foi então que descobri que AMOR não é sentimento, pois amar  através de palavras é muito fácil. A palavra amor virou clichê de inúmeras situações, inclusive as repudiáveis. Os mais banais ou mais vis dos desejos é muitas vezes expresso pela palavra amor. Então, amor sem atitude não é amor, pois AMOR é ATITUDE, amar é abrir mão, amar é se privar de algo em prol de outrem, amar é doar-se.  Aprendi com a mamãe e tenho o privilégio de compartilhar com meu marido , meus filhos, netas..... Diante de tudo isso,  me sinto no dever de no mínimo  amá-la. 
Nossa mãezinha está desistindo de viver. Ela tem um vazio para ser preenchido por filhos que a amem, filhos que façam por ela, filhos que resgatem-na pois ela foi esquecida, omitida e desprezada pelos mesmos filhos por quem ela se doou. Filhos que encontram-se em sua zona de conforto e que através de um telefonema sentem-se com a consciência tranqüila como que   tarefa cumprida.

 Procura-se uma filha que faz uma longa viagem e se conforma em passar uma tarde com a mãe e tem o descaramento de dizer “ ainda bem que nós temos a mamãe, ela está muito viva dentro do meu coração” . É, realmente bem lá dentro, tão lá dentro que nem dá pra alcançar.

Procura-se um filho que se digne a pegar um ônibus na porta de sua casa e vir ver a mãe, esse mesmo filho que ela visitou no início das  férias e por quem ela perguntou durante   3 semanas e ainda que ela estivesse  na cidade vizinha ele não se dignou a visitá-la.

Procura-se filhos que honrem seus pais conforme o mandamento, a quem  O Criador promete bênçãos sem medida.
Procuram-se filhos que se lembrem que também têm filhos e que a vida se encarrega de cobrar.

Procura-se os filhos  da mamãe, antes que ela lhes esqueça a fisionomia.
Procura-se  filhos que amem a mamãe, antes que ela se vá e seja muito tarde para chorar.

Ao ver o declínio rápido da mamãe nos últimos dias minhas lágrimas rolam mesmo sem eu querer. Não sei em que caso  ela se encaixa;  aquele que a pessoa se entrega e logo deixa de viver ou aquele em que a pessoa desiste de viver e fica por anos em cima de uma cama. Mas de uma coisa eu sei, ela está desistindo de viver.

Procura-se filhos que ainda que se sintam impotentes diante de uma cruel realidade, não se conformem em desistir da única mãe que têm.

Edna Albuquerque (filha).
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Imagem: Mãe de Whistler (1871), de James McNeill Whistler

segunda-feira, 7 de abril de 2014

VARIANTES

Variantes

Vejo o triunfo no horizonte, que se distancia quando, perseguindo-o, avanço.
Porém, avanço.
Perseguindo o triunfo avançamos; inaugurando novas paisagens, novos olhares, novos desejos, paixões e amores -; caminhamos.  
Prosseguimos, caminhando rumo ao desejado horizonte que se distancia.
Distancia-se, sem, porém, negar-nos novas possibilidades: novas paisagens, novos olhares, novos desejos, paixões e amores.
No encalço do horizonte – percebo horizontes...
No encalço da aberta e perseguida horizontal possibilidade, encontro, possibilidades...

Lailson Castanha

quarta-feira, 12 de março de 2014

A lição da mulher de Ló

A lição da mulher de Ló

A tradição hebraica ofereceu ao mundo, através das Sagradas Escrituras, a riqueza de uma sabedoria pura, simples, longe da pretensão de um conhecimento intelectual como nos moldes Ocidental, ostentado em ambientes acadêmicos,em programas de TV e em alguns livros, revelando em muitos portadores de tal conhecimento a adoção de certo pedantismo.
Podemos destacar, como exemplo de sabedoria pura, porém rica, a narrativa da mulher de Ló, que com seu marido saia da cidade de Sodoma, que, por sua imoralidade, seria destruída. Por olhar para trás, transformou-se em estátua de sal.
Refletindo sobre essa narrativa, podemos extrair uma rica lição, entre outras.
Como seres humanos, nos apegamos a pessoas e a coisas que  fazem parte de nosso repertório de prazeres -, até mesmo aquelas que não nos fazem bem -. Sabemos que as coisas perecem, fenecem e que as pessoas – não só perecem e fenecem, mas, por acréscimo, livremente se distanciam.
Geralmente, após um distanciamento de alguém que amamos, fruto de sua livre escolha, tendemos ficar perplexos, não aceitando o distanciamento proposto pela livre opção da pessoa que adotamos, que elegemos como integrante de nosso repertório de prazeres.  Essa não aceitação pasmada, leva-nos a tentativa de compreensão, de entender o que ocorreu de errado, porque fomos preteridos. Faz-nos olhar para trás, influi em nós uma rejeição ao porvir, pelo fato de estarmos apegados ao que se foi ao que não é mais, ao que passou.       
O apego ao que se foi e ao que ficou para trás, e não se configura como um bem -, pessoas, geografias, ou objetos -, pode ser prefigurado pela prática da mulher de Ló –, assemelha-se a prática de olhar para trás, para a imoral cidade de Sodoma que tanto apego nutria aquela mulher que avançava para outras bandas. Apegada ao que deixou, ao que perdeu, olhou para trás, e imóvel ficou, transformada em estátua de sal. Semelhantemente, quando apegados ao que se foi, que apesar de nosso apego, não nos fazia bem -, pessoa, geografia, ou objeto -, por fatalidade ou por opção, imóveis ficamos, enrijecidos ficamos, e por consequência, não avançamos para o novo, se não olharmos para frente.
Com a milenar e simples tradição hebraica, somos incitados a não permitir que nossos apegos e, até mesmo, nosso amor – fixe-nos em -, pessoa, geografia, ou objeto não ideais -, que por fatalidade ou por livre escolha apartaram-se, e como tal, devem ficar para trás, para o passado, superados pela distância construída por nossos passos que avante seguem.
O ideal é que olhemos para frente, pois o que não nos era saudável, e para trás ficou, deve ser superado pela procura ou pela já presente abundância do novo.

Lailson Castanha
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Foto: A Mulher de Ló - Coluna de Sal Eilat, Israel.