quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

SALVE, SALVE-NOS!


SALVE, SALVE-NOS!
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Creio que não sou a única a reparar que nossos compatriotas mal sabem cantar o hino nacional brasileiro. Pensei por décadas que era puro desinteresse de uma gente sem apego algum a pátria que o acolheu.
Até que um dia, ao tentar eu mesma, cantar de forma racional o nosso hino pátrio, ocorreu-me que o motivo veraz pelo qual muitos não o conhecem é por não compreenderem seu significado.
O extensivo uso de hipérbato, por exemplo, contribui, com certeza, para que grande número de mentes simples cante sem qualquer encanto: “Ouviram do Ipiranga ás margens plácidas de um povo heróico o brado retumbante” , quando, talvez, vissem algum sentido se cantassem mais diretamente: “às margens plácidas do Ipiranga ouviram o brado retumbante de um povo heróico”. Não que isso fizesse muita diferença, mas pelo menos, falaríamos um português ao nível nacional.
Contudo, devo salientar que este não é o único “caroço” encontrado em nosso hino. Na verdade, as letras mais inteligíveis nos desanimam ainda mais de aprender essa bela composição de nosso ilustre Duque Estrada, que, cheio de boas intenções, visionou em relação ao Brasil uma pátria de liberdade, igualdade e paz. Pena que essa terra, muitos brasileiros não a tenha conhecido, e por isso, nem todos podem cantar com verdade tão belos versos!
No entanto, como bons patriotas, os brasileiros, servis e submissos, em voz uníssona cantam em louvor á pátria mãe, á despeito de seus desencantos. E cada qual a seu modo, vão fazendo como podem: Ora cantando, ora improvisando. Mas, certo é, que todos tentam! Mesmo aos tropicões, pausando disfarçado quando a letra lhe foge á memória (ou talvez nunca estivessem lá) ou, dando espaço ao som instrumental para que lhes encubra as entradas bruscas fora de compasso. E assim, aos “trancos e barrancos”, o Brasil abre o peito em canto nacional, seja por orgulho ou por uma oportunidade, ao menos nesse momento, de sentirem-se realmente brasileiros.
E em meio ao coro seleto dos “alguéns” e “ninguéns” do nosso Brasil, quais estátuas de pedra, indiferentes a diferença gritante de classes sociais, escondem-se os líderes de nossa pátria verde-amarela; mais amarela que verde, devido à fome de comida e de justiça que sofre há tempos o nosso país. E o verde, só ficou no pano de nossa bandeira, pois a politicagem destruiu o verde-louro de nossas esperanças, e as queimadas, aos poucos, vão fazendo nosso Brasil virar cinza.
Mas lá estão nossos regentes com suas hipocrisias e seus bolsos e até cuecas recheadas com nosso dinheiro, e mesmo assim, fitam seriamente nosso lema de “ORDEM E PROGRESSO”, como se nossa terra estivesse em plena ordem e nossa pátria avançando progressivamente.
E, ainda assim, com a mão levada ao peito, erguem suas faces de cedro e cantam como surdos, sem poder ouvir a própria voz: “E se ergues da justiça a clave forte...”- Entoam indiferentes as palavras da música.
Mas, certamente, entenderiam o espírito da letra entoada, se tirassem a mão do peito e por um instante levassem-na à consciência.
Mesmo assim, feio ou bonito, o Brasil canta! Seja na voz do eloquente cidadão, que ostenta seu português refinado, encantando os ouvintes enquanto ávido canta: ”Ouviram do Ipiranga as margens plácidas...”, ou na voz enrustida dos “Zé Ninguém” “desta terra mais garrida”, cujo português tão pobre quanto eles, saltam de suas bocas com a mesma dificuldade com que enfrentam a vida, mas com o mesmo vigor de um coração apaixonado: “Ouviram do Ipiranga- soltam a voz, orgulhosos - as margens “prácidas”...E aí, nossos irmãos periféricos, cantam erradamente, destacando-se entre as vozes polidas e buscando sentir-se parte desse povo heróico .
E assim, segue a cantoria nacional, apresentada por um gigantesco coral, de entendidos e leigos, de doutores e indoutos, de ricos e pobres. E longe da sabedoria escolástica, trazendo na bagagem apenas o conhecimento comum adquirido no dia-a-dia, o povo brasileiro da ralé, a classe baixa da sociedade, não se cala, mas continua cantando e improvisando o nosso hino nacional, na humilde concepção de que, sendo hino da nossa pátria, todo cidadão reconhece sua letra.
E assim, de mãos ao peito, cantam os periféricos de nossa pátria, que apesar de nem sempre tê-los acolhido sobre seu chão, um dia há de recebê-los sob ele:
“ó pátria amada, idolatrada, salve, salve-nos!”

Leila Castanha
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