sábado, 18 de setembro de 2010

Ambivalências


Heráclito, grande filósofo jônico pré socrático asseverou -, "tudo flui". Essa assertiva, que mais fortemente caracteriza sua filosofia, causou uma revolução na ambiência pensante na Grécia de seus anos. Posteriormente, alguns filósofos reagiram contra a afirmação do pensador de Éfeso, principalmente na pessoa do eleata Parmênides e nos anos clássicos com Platão, no apogeu da filosofia, por entenderem que, na verdade, não existe mudança, como Parmênides criam que “o ser é o não ser não é”, ou seja, não existe fluxo e nem mudança.
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Em ambiente geográfico/cultural totalmente diferente do culto ambiente grego, o Eclesiastes, geralmente considerado como escritos de Salomão, se mostra ambivalente ao abordar semelhante questão. O sábio pregador afirmou: “vaidade de vaidades! Tudo é vaidade”. Falando das coisas existenciais o Eclesiastes destacava sua efemeridade, lembrando muito o contínuo fluxo abordado por Heráclito. Porém, numa assertiva posterior disse ele: nada há de novo debaixo do sol – ideia que em muito se aproxima das teses de Parmênides da estaticidade do ser
Na contemporaneidade essas questões não foram apagadas, com Friedrich Nietzsche foi explicitamente abordada, principalmente em sua obra “A filosofia na época trágica dos gregos”,(1) na qual, elege Heráclito, o filósofo do devir, como o mais intuitivo dos filósofos, por ser aquele que teve a capacidade de assumir a realidade do movimento como verdade - tão clara à sua percepção que não podia ser negada. Em Emmanuel Mounier, o devir também é colocado em alta consideração, tanto que trata a sua filosofia como a filosofia da ação, anunciando a inadequação daqueles que invocam fatalidades naturais para privar-se do agir (2), e, quando acolhe a iniciativa da filosofia existencialista, por ser ela “uma reação da filosofia do homem contra os excessos da filosofia das idéias e da filosofia das coisas”, em outras palavras, em relação à negação a citada filosofia das ideias, apóia o existencialismo por ser essa filosofia, um anti determinismo ontológico. ..
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A questão da estaticidade e do devir ainda persistem na hodiernidade, porém não a abordaremos de forma abrangente, de maneira particular proponho investigarmos essa questão considerando a sociedade e os fenômenos sociais.
Olhando hoje para o atual modelo de sociedade, e comparando com a sociedade de alguns anos atrás, percebemos uma considerável mudança. Com isso podemos falar em rompimento de paradigmas. Podemos assumir que é perceptível a mudança nas vivências sociais e nos valores. Muitas ações consideradas virtuosas, hoje já não mais o é, e muito do que era antes considerado vil, hoje é tido como virtude. É percebida claramente a mudança nas vivências sociais e nos valores, e até mesmo algumas ações e costumes consideradas como rígidas, hoje não mais se repetem com tanta frequência. Pensando de maneira diferente, o cantor cearense Belchior, em uma de suas composições dita a seguinte frase:
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Minha dor é perceber
Que apesar de termos
Feito tudo o que fizemos
Ainda somos os mesmos
E vivemos
Ainda somos os mesmos
E vivemos
Como os nossos pais.
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Ao falar assim, Belchior estava percebendo nos jovens a mesma tendência reacionária de seus patrícios. Apesar de admitir o novo, o compositor percebia que os jovens de sua geração se prendiam na mesma tendência passadista de seus pais. Fazendo uma análise no comportamento dos pais de hoje, podemos perceber uma mudança, ainda que leve. Os pais de hoje, como muitos homens e mulheres adultos, tentam copiar e absorver as ações, tendências e movimentos adolescentes, para não se sentirem velhos. Dando uma rápida olhada em programas de televisão, facilmente esta tendência se fará percebida. Percebe-se então, uma mudança no quadro descrito por Belchior, que destacava os pais de sua geração valorizando os modelos de sua época. Hoje, os pais estão a valorizar a cultura de seus filhos, para que, de alguma forma, se sintam jovens ou sejam percebidos como tal.
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Voltando a questão que iniciamos, lanço uma indagação, a saber: esse quadro, está mais em sintonia com as descrições de Parmênides ou com as de Heráclito?
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E se direcionarmos nossa análise para as instituições que fazem parte de nossa sociedade, em que situação as descreveríamos, como estáticas ou como dinâmicas? Em quais das citadas ideias filosóficas as identificaríamos?
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Se fizermos uma análise reflexiva sobre a atual situação das igrejas tradicionais, católica ou protestantes, possivelmente chegaremos a seguinte conclusão: as igrejas estão negando o seu passado e a sua identidade para copiar os modelos lançados pelas novas igrejas que se levantam. As atuais canções adotadas pelas antigas denominações protestantes servem como um elucidativo exemplo. Em quase todos os cultos, mesmo nas igrejas tradicionais ou pentecostal clássica, os reflexivos hinos dos hinários adotados por cada denominação histórica, no caso da igreja católica as canções sacras, estão sendo trocados pelas maçantes músicas de comunidades neo pentecostais, que visa no texto e na melodia, provocar a emoção repentina, em detrimento a reflexão aprofundada, como as encontradas nas composições que compõem os antigos hinários. Frente a essa realidade, qual seria a resposta para a questão lançada: a situação descrita corrobora as teses de Heráclito ou as de Parmênides?
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Indo por outro caminho, o cantor baiano Raul Seixas em sua canção fazendo parceria com Paulo Coelho “a verdade sobre a nostalgia, gravada no álbum Novo Aeon, vociferava:
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Tudo quanto é velho eles botam pr'eu ouvir
E tanta coisa nova jogam fora sem curtir
Eu não nego que a poesia dos 50 é bonita
Mas todo o sentimento dos 70 onde é que fica?
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Nesta música, Raul Seixas parece descrever na geração dos anos 70 certo apego ao passado, apego esse por ele repudiado. Seguindo o caminho contrário do que vivencia a igreja hoje, segundo o cantor baiano, o velho era tão valorizado que não dava espaço para o novo. Como já foi comentado, hoje, na igreja, a situação é inversa, em tempos hodiernos o novo é hipervalorizado, colocando de canto as velhas formas de se manifestar, e, seguindo esta tendência, as antigas e reflexivas canções foram quase que totalmente abandonadas.
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Comentando ainda sobre a igreja, facilmente se observa uma grande mudança no tratamento e no entendimento do conceito de culto. Em outros tempos, até pelo menos no inicio dos anos de 1980, o culto era um momento em que todas as ações eram feitas com reverência, com temor e tremor, visando adorar a Deus de maneira racional. Hoje a concepção de culto difere do entendimento de outrora. A igreja tem se tornado um lugar de entretenimento, e o culto é o momento em que as pessoas se relacionam socialmente, se afinam com as últimas tendências do mercado, e ainda, e quando se voltam para o alto, é para pedir auxílio com o fim de alcançar uma tão almejada prosperidade financeira. Em outras palavras, o culto, apesar de preservar o termo, deixou de ser culto.
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Salomão afirmou: Não removas os antigos limites que teus pais fizeram. (Pv 22.28). Entendo que, com essa afirmação, ele estava a indicar, que extrapolando os limites periclitamos. Desfazendo os marcos, corremos o risco de inaugurar uma situação caótica, pois, removendo os limites, ações e posicionamentos necessários para manter uma sociedade e suas instituições em ordem serão desconsiderados, dando vazão para todo o tipo de posicionamentos inadequados. Estou a crer que esses inadequados posicionamentos permeiam quase todos os ambientes e manifestações de nossa hodierna sociedade. Diante disso, a pergunta retórica continua: quem está mais próximo da realidade, Parmênides ou Heráclito. As coisas mudaram ou tudo sempre foi como agora percebo?
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Em meio a tanto trânsito, tanta mudança, ou aparência de movimento, nos deparamos nas Escrituras com uma forte afirmação: EU SOU O QUE SOU. Dirigindo sua mensagem a um povo finito, aquele que É o que É, afirmou: Assim dirás aos filhos de Israel: EU SOU me enviou a vós. (Êx 3:14) Percebe-se aqui a ausência de transição: EU SOU. Aqui, parece que Parmênides encontrara refúgio para a sua ideia. Porém, aquele que É em outro momento, é descrito por Jesus como alguém que se move. Na seguinte descrição Jesus faz-nos perceber a dinâmica do movimento descrevendo a situação daquele que É, e, semelhantemente a sua, pois Ele e o Pai são Um (Jo 10.30), vejamos:
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“ Meu Pai trabalha até agora, e eu trabalho também” (João 5:17 ) .
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Na afirmativa de Jesus, percebemos um Deus que se move que está a agir. Em momento distinto, e também admitindo esse movimento, o apóstolo Paulo em uma carta aos irmãos coríntios faz com que o sentido, o propósito desse movimento se torne evidente.
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“E, quando todas as coisas lhe estiverem sujeitas, então também o mesmo Filho se sujeitará àquele que todas as coisas lhe sujeitou, para que Deus seja tudo em todos.(1Co 15.28).
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Parece-nos claro que em Cristo, Deus trabalha com o propósito de que todas as coisas nEle se harmonizem, fazendo-se tudo em todos. Parece que o movimento descrito nos trabalhos do Pai e do Filho, visa o encontro de tudo naquele que É , em “quem não há mudança e nem sombra de variação (Tg 1.17), com finalidade de encontrar repouso a quietude. Como que num arremate, o texto Marcos, parece distinguir o transitório do não movível, como aquilo que passará e aquilo que É:
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“Passará o céu e a terra, mas as minhas palavras não passarão.” Mc13.31
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Diante de ideias tão ambivalentes, - podemos se apegar a uma tese desprezando a outra? Podemos ter como certas as assertivas de Heráclito, descartando as de Parmênides, ou se apegar nas convicções do filósofo do Ser desprezando aquelas do pensador do Devir?
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Com isso em mente, como trataremos as questões que se nos apresentam? Devemos nos posicionar diante dos fenômenos que se nos apresentam estranhos como fatos normais que sempre existiram, e que na verdade não se configuram como um novo problema, ou como novos fenômenos que precisam ser estudados a fim de que, entendendo-os possamos tratá-los com mais propriedade?
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Por mais exagerada que se pareça essa exposição, na verdade a idéia de que não existem novidades no quadro social é levada por muitos a sério. Em alguns ambientes intelectuais é apregoada, a partir de leituras isoladas sobre problemas levantados pelas gerações antigas, problemas esses que se aproximam em alguns aspectos dos problemas de nossos dias, a ideia de que tudo o que vivenciamos não é de fato uma novidade, pois de fato nada se move, tudo está fixo, baseado nas narrações lidas, nesses círculos, é apregoado que tudo o que hoje acontece, outrora já aconteceu. Porém, esse sentimento de falta de novidade não foi o mesmo nutrido por Jesus quando asseverou:
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“Ai de ti, Corazim, ai de ti, Betsaida! Porque, se em Tiro e em Sidom se fizessem as maravilhas que em vós foram feitas, já há muito, assentadas em saco e cinza, se teriam arrependido.(Lc 10.13)”
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No contexto, Jesus parece informar, que a atual geração, nas cidades em que estava a exortar, decaiu em incredulidade, sendo mais incrédula do que as antigas cidades tidas como antros da incredulidade. Portanto o movimento e a novidade, em Cristo encontram admissão. Portanto, como agir diante dos novos ou aparentemente movimentos e tendências? Devemos resignadamente acatá-los ou duramente nos posicionarmos contra eles?
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Apesar da importância de reconhecermos o movimento, não podemos desprezar a imutabilidade. As Escrituras descrevem a Palavra de Deus como imutável. Ao julgarmos as transformações devemos nos pautar pelo conselho de Deus, pois apesar constatarmos mudanças e o movimento, a justiça de Deus é uma justiça eterna, e a sua lei é a verdade.( Salmos 119:142 )
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Em meio a tanta confusão e a movimentos e tendências que parecem tirar do foco propósitos antes definidos, ficamos perdidos sem saber como nos posicionar. Ficamos em dúvida se o que se faz novo, na verdade não se passa de uma continuidade do que sempre existiu, com uma nova roupagem, ou de fato uma novidade que insulta os limites aceitáveis estabelecidos pelos antigos, fazendo-nos periclitar, colocando-nos em risco de inaugurar uma situação ainda mais caótica do que essa percebida pelos nossos sentidos.
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Não podemos julgar tendo por medida nossas próprias convicções. A Palavra de Deus deve ser nossa base crítica, ela deve sempre nos orientar para que possamos, mesmo envolvidos em ambivalências, nos posicionar adequadamente diante das questões que se levantam.
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Ser ou não ser, eis a questão: será mais nobre
Em nosso espírito sofrer pedras e setas
Com que a Fortuna, enfurecida, nos alveja,
Ou insurgir-nos contra um mar de provações
E em luta pôr-lhes fim? (Hamlet / William Shakespeare.)
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"Conheço apenas a minha ignorância." (Sócrates, mencionado por Diógenes Laércio)
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Lâmpada para os meus pés é tua palavra, e luz para o meu caminho.(Sl 119.105)

Lailson Castanha
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(1) NIETZSCHE, Friedrich. A filosofia na época trágica dos gregos. São Paulo: Escala, 2008.
(2) MOUNIER, Emmanuel. O Personalismo. 3. ed. Santos: Martins Fontes, 1974.

sexta-feira, 25 de junho de 2010

Emmanuel Mounier. - Pecado contra a pessoa.


Emmanuel Mounier
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Peco contra a pessoa, todas as vezes que forço um homem vivo a se identificar com umas de suas funções, ou que me comporto com ele, como se de fato a ela se reduzisse. Quando penso, por exemplo, que existem homens ou mulheres que são “feitos para” talhar todos os dias que Deus anima, a mesma peça de ferro. Quando reduzo a mulher a sua função doméstica ou a sua função erótica, ou mesmo a sua mais alta função, a sua função materna, sem me colocar a questão da vocação espiritual que lhe cabe e lhe convém, através e acima de tantos cuidados e seduções. Quando considero meus operários como um elemento do meu equipamento e a fragilidade de seus corpos, seus encargos familiares não aparecem mais do que como um setor de desperdício. Quando, proposto pelo acaso a êsses camponeses perto de quem passo as férias, a esses soldados a quem acantono, porque eles tem entre si um sistema de sinais diferentes daquele que é usado em meu meio, aceito renunciar, depois de um pequeno esforço, a toda a comunicação autêntica entre mim e eles. Quando, com o meu coração íntegro, reprovo esses maus rapazes que, até ao seu último suspiro, serão habitados pela graça preveniente do Cristo. Em uma palavra, eu peco contra a pessoa, todas as vezes em que eu ajo como se desesperasse de um homem, quer porque, sem nenhum mandato, eu o excomungo das mais altas virtualidades do homem, quer porque eu o reduzo a condição de um objeto ou de um instrumento.


Emmanuel Mounier: Filósofo Francês.
Nasceu em 1905 na cidade de Grenoble e faleceu na comuna francesa de Châtenay-Malabry, no ano de 1950.
Foi o principal articulador da filosofia personalista na França, tendo como instrumento divulgador a revista Esprit, da qual, foi um dos fundadores.

Principais obras:
Revolução Personalista e comunitária(1935); Manifesto a serviço do personalismo(1936); O afrontamento cristão(1945) Introdução aos existencialismos(1946); Liberdade sob condições(1946); Tratado do caráter(1946); O que é personalismo(1948); Sombras de medo sobre o século XX (1948); A esperança dos desesperados(1953).
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MOUNIER, Emmanuel. O compromisso da fé. São Paulo:Livraria Duas Cidades, 1971. p. 41.
Gravura: Emmanuel Mounier
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domingo, 30 de maio de 2010

A complexidade

António Alçada Baptista

Acho que o tempo nos vai dando outro olhar sobre a vida e que isso poderá modificar os modelos com que lidamos. É possível que estejamos perante uma mudança de civilização caracterizada pela passagem das sociedades de poder para as sociedades de diálogo e de afecto.

Eu tenho consciência de que o mundo em que nasci não era assim. Nasci numa sociedade de poder. As pessoas aceitavam naturalmente que o poder era o instrumento de gerir o mundo e era muito restrito o papel do diálogo nos nossos costumes e na nossa maneira de olhar.

Mesmo na família. O que caracterizava a relação pais e filhos era a autoridade. Vivi essa experiência: o meu pai, que era uma pessoa afectuosa, tinha com os filhos uma atitude autoritária que marcou as nossas vidas.

Felizmente que a sua relação com a filha mais nova lhe abriu a vida para outro olhar. Ele estava a ser vítima da atitude cultural que marcava aquela época e não havia outra maneira que não fosse essa para regular as relações humanas.

Mas não era só a família: as próprias sociedades estavam marcadas pelo uso do poder e isso era uma prioridade nas nossas vidas. Na Europa de então, a maioria aceitava a prioridade do poder na organização da sociedade: Hitler, Mussolini, Estaline e tantos outros exerciam o uso do poder como forma de gerir o mundo e uma boa parte da sociedade aceitava isso sem consciência do absurdo que significava. Não tenham dúvidas: foi no meu tempo e através de outro absurdo – a guerra mundial – que ficou mais ou menos esclarecida essa questão. Hoje, pelo menos na Europa, é difícil admitir que as sociedades possam sobreviver através de um ditador.

Mas temos de estar atentos: a própria democracia está revelando as suas fraquezas e isso obriga-nos a ter a percepção de que o futuro não se resolve com a indiferença mas com a consciência permanente de que a reflexão sobre as relações humanas é uma realidade que nos acompanha e que não podemos dar como resolvida.

Esta atitude perante a vida é a única que nos deixa aproximar da realidade que é fundamentalmente uma complexidade. É também o tempo que nos vai revelando que a natureza humana não é simples e que não podemos progredir se não nos aproximarmos da realidade com a consciência de que o futuro será feito com o respeito dessa complexidade que nos condiciona.

Eu sou um optimista, sobretudo quando falo com pessimistas. Tenho dias em que olho para o futuro com esperança, que consiste exactamente neste abandono das sociedades de poder. Mas não vai ser simples.

Às vezes penso que a entrada da mulher na história poderia resolver essa situação, mas não consigo também deixar de pensar que a mulher, à medida que se aproxima e usa as formas de poder, também se “masculiniza” e com isso cai no fascínio do poder.

Olho para o futuro com a consciência da complexidade da natureza humana e, por isso, da dificuldade de termos presente que nada, nem a política, nem a economia, nem o poder, mas só o diálogo e o afecto poderão dar-nos outras perspectivas.

António Alçada Baptista: advogado e romancista português. Nasceu em Covilhã, 29 de Janeiro de 1927 e faleceu em Lisboa, 7 de dezembro de 2008.
Apesar de ser licenciado em direito pela Faculdade de Direito de Lisboa, António Alçada Baptista se empenhou mais nas atividades literárias de que aao exercício da advocacia.
Alçada Baptista foi diretor foi director da Editora Moraes entre os anos 1957 e 1972, editora que imprimiu várias obras do filósofo personalista, Emmanuel Mounier, para a língua portuguesa, e um dos fundadores da da revista de orientação personalista O Tempo e o Modo. Gerenciou o jornal O Dia (1975) e foi presidente do Instituto Português do Livro (1979-1985).
Era profundamente dedicado a cultura língua portuguesa, dedicação essa, que lhe incitou à viagens à países de língua portuguesa.

Em literatura, investiu em ensaios, crónicas, romances e ficção, sempre usando sua pessoalidade nas áreas em que explorava, principalmente, destacando as questões interiores e os problemas comuns, culturais, sociais e religiosos que envolvem o ser humano.

Suas obras:
Documentos Políticos (crónicas e ensaios) - (1970)
Peregrinação Interior I - Reflexões sobre Deus - (1971)
O Tempo das Palavras (1973)
Conversas com Marcello Caetano - (1973)
Peregrinação Interior II - O Anjo da Esperança - (1982)
Os Nós e os Laços (romance) - (1985)
Catarina ou a Sabor da Maçã - (1988)
Tia Suzana, Meu Amor (romance) - (1989)
O Riso de Deus (romance)- (1994)
A Pesca À Linha, Algumas Memórias - (1998)
A Cor dos Dias - (2003)

terça-feira, 4 de maio de 2010

PRECE À BOCA DA MINHA ALMA

Nauro Machado

Não te transformes em bicho,
ó forma incorpórea minha,
só porque animal capricho
perdeu o humano que eu tinha.

Guarda, do animal, o alheio
esquecimento. E somente.
Mas lembra aquele outro seio
que te nutriu a boca e a mente.

E recorda, sobretudo,
que não babas ou engatinhas,
a não ser quando te escuto
pelos becos, dentre as vinhas.

Vive como um homem morre:
em solidão e na esperança.
guardando a fé que socorre
em mim, semivelho, a criança.

Mas não te tornes em bicho,
nem percas o ser humano,
só porque a tara (ou o capricho)
deu-me este existir insano.

Do Eterno Indeferido (1971)

Nauro Machado é um poeta, ensaista e escritor brasileiro.
Nasceu em São Luiz do Maranhão no dia 2 de agosto de 1935.

sábado, 27 de março de 2010

Onde estão os vocacionados?


Na observância dos acontecimentos cotidianos e das ações tomadas em nosso dia a dia, percebemos por parte dos cidadãos, a quase que total falta de compromisso com a promoção de mudanças efetivas em nossa sociedade. É verdade que cresceu em nosso país o número de escolas de graus secundários e superiores, foi plantado em solo brasileiro um número gigante de igrejas, programas de debates sobre os mais variados temas são vistos em nossa televisão, mas, apesar disso, não vemos verdadeiras intenções com a finalidade de promover mudanças, e muito menos, verdadeiras mudanças. Percebemos a continuidade das calamidades que solapam nossa sociedade travestida em outros formatos. Parece que vivemos no reino das aparências, onde o faz de conta substituiu o fazer real, onde o aparente tomou lugar do realmente, onde o incompetente se sobrepôs ao competente Assistimos programas de filosofia onde os doutores que se apresentam, apesar de ostentarem títulos pomposos, não expressam suas ideias, por se proporem a ser apenas comentaristas de pensamentos alheios. O mesmo se dá com clérigos, professores, artistas, etc. Parece-me que os aproveitadores tomaram o lugar dos vocacionados. Se, verdadeiramente assim ocorre, se isto acontece realmente, responder a natural indagação que se segue faz-se pertinente e necessário, a saber:

onde estão os vocacionados? e por que não se ocupam de sua vocação?

Pode parecer que evoco a utopia platônica quando falo em vocacionados se ocupando de sua vocação. Não posso negar que em me utilizo das ideias do grande filósofo Platão, mas não a abraço como a única mensagem em prol de uma apropriação devida nos afazeres sociais. Recorro também as Escrituras Cristã, na alegoria do corpo, em que somente um é o cabeça (Cristo) e os demais integrantes do corpo, cada qual como membro, exercem suas devidas e respectivas funções. Com essa lógica, cada qual agirá de acordo com sua vocação, e não exercerá funções inadequadas, agirão de acordo com suas peculiaridades espirituais e existenciais.
A impropriedade nos cargos chega a ser assustador. Logo no primeiro escalão da pirâmide social, percebe-se os malefícios que tal situação acarreta a sociedade. Vemos governantes sem nenhuma intimidade com o ofício de administrar, e por conta dessa inadequação, engendram muitas mazelas e problemas na a sociedade que intentam administrar. Diante desse quadro, que solução se apresenta como adequada? Ficarmos acomodados na situação de reféns da desordem promovida por manobristas desqualificados, que agem em todos os campos de nossa atual sociedade, ou buscarmos a aplicação de reformas sociais, a fim de desenvolver uma sociedade justa, equilibrada e sadia, onde cada um possa exercer as funções que lhe competem e incitar aos que não conhecem a sua vocação, alcançá-las para também colaborar com o equilíbrio social. Essa reforma tem começar em nosso intimo, é necessário primeiramente desejar mudanças para se engajar na luta por transformações. Enquanto não tivermos noções de cidadania e de vocação não lutaremos por mudança nem por adequação nos mais variados circulo de atividade social.
Onde estão os vocacionados? Creio que estão acomodados, conformados com o que conquistaram ou com o que deixaram de conquistar. Estão conformados com a sua também inadequação existencial e social, conformados em exercer atividades que não estão em sintonia com a sua vocação e com suas aptidões. É necessário reagirmos e lutar pela efetivação de nossa vocação na sociedade em que estamos inseridos, e pela manutenção daqueles que não estão correspondendo com as responsabilidades que assumiram .
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Lailson Castanha
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segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010

DA melhoria gradual da FILOSOFIA NATURAL



John Wesley
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Introdução
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DA melhoria gradual da FILOSOFIA NATURAL
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1. A ordem observada neste tratado

2. O método de filosofar entre os hebreus e egípcios

3. Entre os gregos - A filosofia de Pitágoras, Platão, Aristóteles

4. Os diferentes métodos perseguido pelas quatro seitas gregas

5. A filosofia dos escolásticos

6. O renascimento da filosofia de Lord Bacon

7. Grande medida, promovida pelas sociedades filosóficas

8. A melhoria feita em todos os ramos da mesma: em anatomia, a descoberta da circulação do sangue, das veias lácteas e do duto torácico
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9. Da geração de todos os animais a partir de ovos

10. Da transfusão de sangue

11. Doenças si, e as operações de medicamentos, dar oportunidade para mais descobertas
12. Muitas descobertas anatômicas foram feitos em meus microscópios

13. Muito, no que diz respeito aos animais, principalmente peixes e insetos

14. Muito igualmente, no que diz respeito a plantas, pedras, metais e minerais

15. Grandes melhorias a partir da arte da Química

16. Descobertas sobre a magnétita

17. No que diz respeito ao vidro e ao espelho abrasador

18. A natureza do ar está mais descoberta por meio do barômetro, o termômetro, e o ar-bomba.
19. Descobertas relacionadas com a água

20. Descobertas que mostram a natureza do fogo, pólvora, fulminani Aurum, fósforo

21. Da terra, e dos principais sistemas do universo

22. Do Sol, os planetas e seus satélites

23. Das causas dos corpos naturais

24. Dos espíritos e das coisas divinas

1. A Filosofia Natural trata tanto do próprio Deus, como de suas criaturas, visíveis e invisíveis. Deste propósito, eu, para falar de tal maneira, a respeito da ascenção da consideração do homem, através da ordem de todas das coisas como elas são cada vez mais distante de nós, a Deus o centro de todo o conhecimento. (Quero dizer, das coisas visíveis; - do mundo invisível, não podemos saber muito, enquanto que habitamos em casas de barro.) Assim, a filosofia especulativa ascende do homem a Deus; e a prática descende de Deus para o homem.
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2. As nações mais antigas, os egípcios e hebreus, em particular, filosofaram muito sobre Deus e sobre gênios, espíritos bons ou maus, de uma ordem superior ao homem. O que eles ensinaram sobre o mundo visível, era relativo, principalmente, à sua origem, as mudanças em que se submeteram, e sua dissolução definitiva. Mas todas essas mentes só emitiram a sua posteridade, o que eles tinham recebido de seus antepassados.
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3. Entre os gregos, Tales de Mileto e seus seguidores, aplicaram-se, com grande dedicação, a descobrir, com o melhor auxílio que tiveram as causas materiais, das "coisas naturais. Eles foram sucedidos por outros, que curiosamente mais a buscavam na estrutura dos organismos naturais. Aqui o fundamento da história natural foi estabelecido, através de várias observações sobre as plantas, animais e outras coisas. E aqui os esforços, em particular, de Aristóteles, Teofrasto são louváveis. No entanto, em outros aspectos, Aristóteles não promoveu, mas sim obstruiu um pouco o conhecimento da natureza: fazendo filosofia como algo ininteligível, por suas noções abstratas e metafísicas, como Platão, Pitágoras e outros, com suas idéias, números e símbolos.
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4. Em sucessivas épocas, as quatro seitas gregas, os platônicos, peripatéticos, epicuristas, estóicos dividiram o mundo ocidental, entre eles, os platônicos quase que limitando suas opiniões para o tema da divindade; os peripatéticos consideraram um pouco mais a lógica, os estóicos pouco mais a filosofia moral, e os epicuristas tiveram pequena preocupação sobre o caso de estar imerso nos prazeres sensuais, de modo que nenhum deles fizeram qualquer melhoria considerável em qualquer ramo da filosofia natural.
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5. Quando o barbarismo total que se seguiu foi um pouco dissipado, Aristóteles, começou a reinar. Seus seguidores (a escola de homens, como eram chamados) teriam melhorado a filosofia natural, se, (como o seu mestre) eles tivessem diligentemente cultivado o conhecimento da natureza, e buscado as propriedades das coisas particulares. Mas foi a sua desgraça, negligenciar o que foi louvável nele, para seguir apenas o que lhe era censurável; assim como a obscurecer e poluir toda filosofia, com abstrações, perda de tempo, e vãs especulações. Entanto, alguns deles, depois que os árabes introduziram o conhecimento de química para a Europa, foram sábios a frente de sua época, e penetraram tão longe nos recônditos secretos da natureza, embora mal escaparam à suspeita de magia. Esses foram Roger Bacon e Albertus Magnus.
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6. Após o renascimento de aprendizagem, como todos os outros ramos da filosofia, assim esta em particular recebeu nova luz. E nada foi mais útil aqui do que Sr Bacon: que, entendendo o equívoco da escola de filosofia, incitou a todos os amantes da filosofia natural a uma busca diligente na história natural. E ele mesmo abriu o caminho, por intermédio de muitas experiências e observações. “'.
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7. Depois disso, não unicamente pessoas, mas sociedades inteiras aplicaram-se cuidadosamente a fazer experiências, que, tendo observado com precisão a estrutura e as propriedades de cada organismo, puderam julgar com mais segurança, julgar sobre a natureza. E as vantagens, que surgiram a partir daí, manifestamente apareceram a partir das memórias da Royal Society de Londres, da Academia das Ciências de Paris e similares na Alemanha, assim como diversas outras partes da Europa.
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8. Para mencionar apenas algumas das descobertas no final de cada ramo da filosofia natural. No que diz respeito à estrutura de um corpo humano, quantas coisas que os anatomistas modernos tem descoberto que eram pouco compreendidas pelos antigos, ou totalmente desconhecidas para eles? Como por exemplo, a circulação do sangue, descoberta pelo Dr. William Harvey, cujo seu "Anatomic Exercitations", foi publicado pela primeira vez no ano de 1628. Tais eram as veias lácteas, descoberta primeiro nos animais, por Casper Asellius, de Cremona, e logo depois nos homens. Tal o duto toracico, e a Cysterna Chyli, percebida primeiramente pelo Dr. John Pecquet, de Paris, segundo o qual todo o curso do sangue é agora claramente compreendido.
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9. Dr. Harvey aperfeiçoou a filosofia natural, com outra "descoberta não menos ilustre, porque foi o primeiro dos modernos, que apresentou todos os animais sendo gerados dos ovos. Que os antigos sabiam e ensinou isso, (Orfeu, em particular) não pode ser razoavelmente duvidado. Mas, como o conhecimento estava totalmente perdido, reavivá-lo foi o mesmo que inventá-lo. É óbvio, como uma grande luz que derrama sobre este assunto escuro, no que diz respeito à geração de homens, bem como de outros animais.
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10. Outra notável descoberta no século passado foi a da transfusão de sangue. O sangue de um jovem, vívido, saudável foi transfundido, através de um tubo pequeno de prata, devidamente ajustado na veia de outro, o que era velho, fraco e doente. E o efeito espantoso de todos os observadores. Quando o experimento foi testado antes dos diversos segmentos da sociedade real, um cão, fraco desgastado, pronto para morrer com a idade, e dificilmente capaz de firmar suas pernas, depois de ele, mal ter sido preenchido com sangue novo, pulou como do sono, agitou-se, e correu para cima e para baixo, vivo e ativo como um filhote de cachorro. Na França, o experimento foi feito em homens, e com o sucesso surpreendente. Que pena, um experimento tão importante, nunca deveria cair em desuso! Que ainda não foi repetido em boas ocasiõ,! Especialmente quando todos os outros meios falharam!
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11. Não se pode negar que os médicos tenham melhorado notavelmente este ramo da filosofia, bem como têm oportunidades contínuas de fazer novas descobertas no corpo humano. Nas próprias doenças, a sabedoria maravilhosa do Autor da natureza aparece, e, através delas muitos recônditos do corpo humano são inesperadamente descobertos. Os poderes da medicina sempre em exercício também abrem muitos segredos da natureza.
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12. E quantas coisas em todos os órgãos, bem como no ser humano, que iludiu toda a arte e indústria dos antigos, os modernos têm sido descobertas com a ajuda de microscópios? Embora esta não seja propriamente uma invenção moderna;: é certo que, alguma coisa desse tipo estava em uso há muitos anos atrás. Há várias obras de grande antiguidade ainda existentes, as belezas que não podem sequer ser discernida, muito menos poderiam ter sido forjada pelo melhor olho nu, existente no mundo. Tal o selo, agora no gabinete do rei da França, admitindo-se ter pelo menos mil e quinhentos anos de idade, seis décimos de uma polegada de comprimento e quatro linhas que a olho nu, apresenta apenas uma ordem confusa, mas examinada com um microscópio, distintamente exibe árvores, um rio, um barco, e dezesseis ou dezessete pessoas.
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13. Agora, o que nos ajuda a pesquisar a estrutura de um corpo humano, igualmente nos ajuda a descobrir a natureza e as propriedades de outros animais. Do mesmo modo, nós recebemos grande luz, das observações anatômicas e microscópicas. Sobretudo aqueles que depositaram todo seu tempo e pensamentos em um tipo de animal (como o Dr. Willoughby, em peixes, Dr. Swammerdam, de Amesterdão, em insetos), demonstraram um grau surpreendente, nos assuntos sobre os quais eles escreveram.
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14. Muitos têm pesquisado diligentemente sobre a natureza das plantas, especialmente o Sr. Ray, Que não somente as abrangeu em um novo sistema, mas também escreveu uma elaborada história delas. Outros descreveram, com semelhante aplicação, ou plantas em geral, ou de um país em particular. E outros apresentam semelhante sorte na indústria de descobrir e explicar a natureza das pedras, metais, minerais e outros fósseis.
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15. Também não é estranho que os modernos tenham penetrado mais longe nos recônditos da natureza do que os antigos, considerando as vantagens que têm recebido a partir a arte da química. Não que isso seja uma invenção recente; foi em certa medida, conhecida há muito tempo. Mas como esta arte tem sido cultivada na nossa época, com uma precisão muito maior do que nunca antes, então, por esse meio, muitas propriedades de "corpos naturais foram descobertas; dos fósseis em particular.
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16. Mas nenhuma dessas foi tão grandemente e merecidamente estudada, como a pedra-imã. Sua força atrativa era conhecida dos antigos, e a origem dessa descoberta foi registrada por Plínio. Mas não parece que eles sabiam de seu apontaro ao pólo, ou da utilização da bússola. Essa (a bússula) foi inventada por John Goia, no ano de 1300. Mas tem-se observado desde então, que a agulha magnética raramente aponta exatamente para o pólo, mas que varia de alguns graus a leste ou oeste, em uma fixidez e ordem regular. .
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17. Parcimoniosamente relacionada com a natureza dos fósseis é o vidro, que era bem conhecido dos antigos, sendo mencionado por Plutarco e Luciano entre os gregos, por Lucrécio, Plínio, e outros, entre os latinos. Contudo, a arte de fazer vidro tem sido desde os seus tempos, abundantemente melhorada. Um dos ramos desta é a arte de fazer burning-glasses (espelho-ardente) levados à tão grande perfeição que chegam a derreter ou reduzir a cinzas os corpos mais sólidos, em alguns momentos. Se esse fosse dominado pelos antigos em tudo (o que, razoavelmente pode ser poso em dúvida), porém, esta arte estava totalmente perdida por muitos séculos, e não recuperado, até anos atrás.
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18. Tempos mais tarde, muitas descobertas foram igualmente feitas em relação à terra, água, fogo e o ar: o último dos tais, o AR, embora ele, de tão fina textura, como algo totalmente invisível, contudo a produção de efeitos tão surpreendentes, tem animado a investigação dos mais diligentemente curiosos. Nem tampouco, qualquer parte da filosofia tem recursos para um campo tão vasto para experiências e descobertas. O peso dele se pode descobrir, através desse instrumento curioso, o barômetro, inventado por Torricellius; os graus de calor e frio, pelo termômetro. Pela bomba de ar (inventada por Otto Gucrick, burgomestre de Magdeburg) o ar é retirado de outros órgãos, ou, mais amplamente jogado neles. E disto, muitos efeitos são produzidos, que merecem a nossa diligente consideração.
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19. Com relação à água, como as posteriores descobertas, são numerosas e importantes. Desta maneira, o sino de mergulho inventado por George Sinclair, a máquina de mergulho de Alphonso Borelli, um tipo de barco feito de forma a ser navegado sob a água, e da arte de transformar a água salgada em potável, que é agora feita com pouca despesa, na medida em que a salina é levada embora, ela está apta para quase todos os usos.
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20. A natureza e as propriedades do fogo também foram traçadas com precisão em tempos tardios, dando ocasião para a invenção da pólvora, por Berthold Schwartz, no século XIV. Aurum fulminans, uma invenção ainda mais tardia, chegando a uma explosão mais alta do que a pólvora. Outros órgãos existem que não queimam, mas emitem luz. Tal como a pedra de Bononian, que, colocada no escuro, difunde a luz como uma queima de carvão. É bem sabido que a preparação chamado de fósforo, tem a mesma propriedade.
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21. Várias teorias da Terra têm aparecido ultimamente. Mas elas não são mais do que conjecturas engenhosas. O mesmo pode ser dito dos sistemas do universo, exceto alguns detalhes
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O sistema ptolemaico, que supunha que a Terra fosse o centro do universo, é agora merecidamente desacreditado: desde que Copérnico reviveu o de Pitágoras, provavelmente aceito pela maioria dos antigos. Tycho Brahe, que embaralha os dois juntos, é muito complexo e intrincado, em contradição a bela simplicidade, bem visível em todas as obras da natureza.
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22. O telescópio (inventado por Galileu) descobriu muitas estrelas - desconhecidas para os antigos, juntamente com a natureza e movimento dos planetas, tanto primária como secundária. Por isso também foram descobertas as manchas do sol, a desigualdade da superfície da lua, a natureza da galáxia, ou via Láctea, e muitas outras particularidades relativas aos céus.
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23. No que diz respeito ao corpo, em geral, é comumente suposto, que a nossa época tem uma vantagem enorme sobre a antiguidade, por ter descoberto novos princípios e novas hipóteses, segundo o qual podemos accQuflt em favor de todos os segredos da natureza. Mas isso leva a uma disputa. Em relação a isso, os princípios de nossas hipóteses, não são novos, mas há muito se sabe, que os instruídos até aqui muito pouco proveito produzem por todas suas hipóteses. E, na verdade, todas suas dissertações que abordam as causas dos corpos naturais, terminam em meras conjecturas, das quais, uma é muitas vezes mais provável do que outra, mas ninguém admite qualquer prova sólida.
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24. O que resta da filosofia natural é a doutrina a respeito de Deus e dos espíritos. Mas no encalço disso nem da razão nem da experiência podemos depender. Tudo o que qualquer homem saiba ou possa saber a respeito disso, deve ser retirado dos oráculos de Deus. Daqui, portanto, nenhuma novidade recente devemos procurar, mas, permanecermos no caminho bom e velho: contentando-nos com o que Deus satisfez-se em revelar, com a fé que uma vez foi entregue aos santos."
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John Wesley (1703 — 1791): clérigo anglicano e teólogo cristão britânico; juntamente com o seu irmão Charles Wesley foi o precursor do movimento metodista. Grande avivalista da Grã-Bretanha.
Sua teologia era fortemente arminiana destacando a ideia da graça preveniente já dantes defendida pelos teólogos precedentes Sto Anselmo, São Tomás de Aquino e Jacobus Arminius. Ao enchertar o conceito de santificação total no seu já adotado arminianismo, engendrou uma teologia peculiar, que mais tarde se chamaria wesleyanismo, ou, teologia wesleyana.
Além de temas teológicos, John Wesley se enveredou em outros campos do conhecimento, como, por exemplo, escreveu sobre filosofia natural, medicina e música.
Lutou por reformas sociais na recém industrializada Inglaterra, que incluiu entre suas propostas a reforma trabalhista, reforma carcerária, reforma educacional e a abolição da escravatura. Além de se engajar pelas reformas sociais.
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Tradução e adaptação: Lailson Castanha
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quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

Que é o homem?

Saber que é o homem é um dos mais intrigantes desejo do próprio homem. Desde a antiguidade mais remota, pelo que se tem documentado, esta busca tem motivado e inquietado o ser humano.
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Que é o homem? - Mesmo tendo vários pensadores se desgastando na empresa de responder esta indagação, ela, ainda assim não se cala, continua ecoando.
Na maior parte de nossas vidas, numa atitude de demissão intelectual, fugimos dessa indagação nos distraindo com as atividades triviais, ou nos contentando com respostas prontas e plasticamente bem elaboradas. Se formos honestos, reconheceremos que as respostas, por mais pretensiosas que sejam, em sua maioria (ou em sua totalidade) não saciam a necessidade de resposta gerada por esta indagação.
Ignoramos não só o que somos, pouco sabemos do que “não somos”; até na discussão teológica, não há um consenso sobre a natureza do homem – se este é mal, ou não, se num todo é depravado, se não, se temos livre-arbítrio ou não. Conjecturamos, refletimos, mas não temos como asseverar com propriedade a totalidade de nossa natureza, ou a totalidade de nossas impossibilidades. Apesar das indefinições, temos caminhos interessantes para nos levar, a, pelos menos uma ideia de nossa origem.
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Tenho por principio, o costume de não descartar as fontes antigas como fontes de informações, fontes que, mesmo em sua rusticidade, estando mais distantes da multiplicidade de opiniões, parece-me tratar com mais qualidade as propriedades constituintes do homem. São rústicas, e sendo mais antigas, estiveram mais próximas do advento da civilização, também são mais simples, não sendo formatadas por emaranhados conjecturais.
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Uma destas fontes são as Sagradas Escrituras. Nela temos como informação que o homem é um ser criado a imagem e semelhança de Deus. Seguindo a razão bíblica o filósofo protestante, Francis Schaeffer em seu livro “A verdadeira espiritualidade” afirma: "Eu sou, eu existo; mas existo especificamente como um ser racional e moral". Continuando o seu argumento, Schaeffer nos situa entre Deus e a natureza – abaixo de Deus, por sermos finitos, próximos a ele, por sermos racionais e morais – acima da natureza por sermos racionais e morais, e próximos a ela por sermos finitos.(1)
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Na definição personalista de Emmanuel Mounier o homem é um ser situado em seu contexto histórico, é um ser pessoal. Definindo assim ele quase que desfaz a intenção do homem de se entender fora de seu quadro espacial-temporal, vejamos o que ele afirma:
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“Eu não sou um leve e soberano cogito no céu das idéias, mas este ser pesado cujo o peso só será dado por uma expressão pesada; eu sou um eu-aqui-agora; seria preciso sobrecarregar ainda mais e dizer um eu-aqui-agora-assim-entre estes homens com este passado”.(2)
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Pelas infinitas possibilidades de definição, faz-se quase que impossível a tarefa de definir o homem, por mais que ansiamos. Essa realidade, a ânsia de se conhecer, foi o que incitou o homem a descer um pouco das alturas das definições ontológicas, e buscar definições fenomenológicas e antropológicas, a partir dos fenômenos perceptíveis, de sua história e de suas marcas deixadas ao longo do tempo. Mas, seguindo as características sobre o homem, descritas pelo filósofo norte-americano, por ter, mesmo que fragmentada, uma relação com o eterno, pois tem como atributos, a moral e a razão, ele, não poderá ser definido apenas fenomenologicamente e nem só antropologicamente, pois essas disciplinas científicas, só podem descrever e observar apenas os traços e a manifestação de seus atributos, mas o porquê o homem os têm, intrinsecamente como “partes de sua constituição humana” -, jamais essas ciências darão uma resposta definitiva.
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Tentando responder a mesma indagação, Albert Camus conclui que somos seres do absurdo, ou seja, não existe uma resposta para a nossa humanidade – tudo é um absurdo, inclusive a existência humana. Observando atentamente as nossas características gerais, mesmo negando a ideia de Camus da absurdidade, por outro lado, não podemos afirmar de forma plena o que realmente somos.
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Voltando as Escrituras, admitindo que somos criados, podemos entender porque não nos conhecemos plenamente – é o oleiro que conhece o vaso. Nós os seres criados, por assim sermos, temos um limite de conhecimento, nossa visão não é nem panorâmica e nem extensiva, e muito menos intimista, só sabemos olhar para frente. Este limite, nos impede-nos de conhecermo-nos de forma aprofundada, por isso precisamos do outro para entender um pouco mais de nós mesmos, ainda assim, de forma imprópria, pois o outro também é marcado pelos mesmos limites existenciais.
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Que é o homem? – Na insistência da indagação, respondo ainda que vagamente, que o homem é um ser relacionável – com o próximo e com o seu criador. Está preso neste sistema porque necessita desta relação. Precisa de Deus, para satisfazer suas ânsias mais profundas, como o próprio conhecimento de si próprio, e de seu próximo para compartilhar sua vida – a existência do homem não teria sentido sem a presença de alguém que o entendesse.
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Outro aspecto do homem, é que ele é um ser vocacionado a transformar:
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A si mesmo
A natureza
E o seu próximo
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A si mesmo, porque ele não nasce definido, é constrangido a fazer escolhas, a praticar o seu livre arbítrio. Na definição de Locke, o homem é uma folha em branco. Se buscarmos na sabedoria bíblica, desde os primórdios, o homem, representado na figura de Adão, é incitado a praticar escolhas, são elas que transformarão o próprio homem e a natureza que o envolve.
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A natureza se oferece, e o homem a adequa as suas necessidades. É o homem que define a finalidade da natureza para si.
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O próximo também é por nós diariamente transformado já que a própria condição de ser relacional é uma relação influxionista, ou seja, uma relação de influência, e através da influência, não apenas somos transformados, também, transformamos.
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O homem é um ser de relação. e muito mais.
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Lailson Castanha
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Gravura: Homem Vitruviano de Leonardo daVince
(1) SCHAEFFER, Francis A. Verdadeira Espiritualidade. 3.ed.São Paulo: Fiel, 1989.
(2) MOUNIER, Emmanuel. O compromisso da fé. São Paulo: Livraria Duas Cidades, 1971.

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

Nossa civilização secularizada

por Reinhold Niebuhr
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O inadequado otimismo sobre a situação atual ou perspectiva futura da religião na civilização moderna, pode emanar apenas de uma análise muito superficial da vida moderna. Nos Estados Unidos, esse otimismo é justificado pelo inegável prestígio da igreja na mente popular e na vitalidade das instituições religiosas. Na Europa, o otimismo não é apoiado pelos mesmos fatos. No entanto, a América é, em muitos aspectos, mais pagã do que a Europa, o que significa que a vitalidade das instituições religiosas em si não é uma prova de vida religiosa autêntica. O fato é que nós estamos vivendo em uma civilização completamente secularizada que perdeu a arte de trazer seus motivos dominantes sob qualquer tipo de controle moral.
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Os acontecimentos recentes na Europa revelam que o povo ocidental são tribalistas impenitentes, e pouco aprenderam com a grande tragédia. Eles parecem faltar imaginação para perceber a loucura de seus modos, e humildade para conceber a sua loucura como pecado. Enquanto nós, na América, formos afetados pela piedade da Europa, o sentimento de superioridade moral, que é sempre a raiz daquela piedade, será baseado na ilusão. Nós não somos mais morais do que a Europa, mas a nossa grande riqueza e nosso isolamento geográfico comparativo nos salvam de sofrer quaisquer consequências imediatas das nossas loucuras morais. Apesar do vigor das instituições de religião em nossa vida nacional, não há qualquer vestígio de motivação ética em nossa conduta nacional. Ao mundo nós mostramos o que nós somos realmente, uma nação fabulosamente rica, preocupada em produzir mais riqueza, convenientemente ignorando as consequências que a cobiça desenfreada de poder e desejo de ganho devem inevitavelmente ter, em ambas as moralidades, pessoal e da harmonia internacional.
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O fato é que a vida social do mundo ocidental está quase que completamente fora do controle ético. Um líder político do tipo de Gandhi seria impensável no mundo Ocidental. Embora seja verdade que todos os grupos são naturalmente predatórios e nunca foram efetivamente contidos por escrúpulos morais, contudo ainda não há uma medida da indiferença e do desafio da lei moral em nosso mundo moderno, que o compare desfavoravelmente com o melhor em qualquer dos de nossa própria história ou da Oriental. O fato é que nós estamos vivendo em uma civilização completamente secularizada.
.A secularização da civilização moderna é em parte devido a nossa incapacidade para ajustar os interesses éticos e espirituais da humanidade, para o rápido avanço das ciências físicas. No entanto muitos otimistas podem insistir que a ciência não pode destruir a religião, a verdade é que a tendência geral da descoberta científica tem sido a de enfraquecer, não apenas valores religiosos, mas, éticos. O humanismo, bem como a religião tem sido tragado no naturalismo dos nossos dias. Nossa obsessão com as ciências físicas e com o mundo físico entronizou as forças brutais e cegas da natureza, também nós seguimos o Deus do terremoto e do fogo, em vez do Deus da voz mansa e delicada. A moral do homem da rua, que talvez não seja capaz de capturar todas as implicações da ciência pura, é corrompida pelas consequências éticas da civilização que a ciência aplicada construiu. Enquanto a ciência pura entroniza a natureza na imaginação, a ciência aplicada armou a natureza de fato.
.É parte do ofuscamento moral de nossos dias imaginar que temos conquistado a natureza, quando na realidade, a ciência aplicada tem feito pouco mais do que rebaixar uma parte da humanidade para se tornar instrumentos puramente físico do objetivismo secular e fazer com que a outra parte, fique obcecada, com orgulho, nos instrumentos físicos de vida. A natureza armada das ciências físicas - a natureza em nós - também atraiu-nos para um estado onde o conforto físico é confundido com a verdadeira felicidade e tenta saciar o nosso desejo de poder em detrimento do nosso desejo de paz espiritual. Nós imaginamos que podemos fugir dos problemas morais da vida pelo simples fato de que as máquinas têm ampliado os nossos corpos, enalteceu nossas forças físicas e nos deu um senso de domínio. É tido como mais adequado substituir o domínio da natureza por autodomínio. Assim, uma geração de homens está sendo criada, que em sua juventude subsiste em excitações físicas, em sua maturidade, glória na força física, e na sua velhice, o desejo de nada mais do que conforto físico.
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Vagamente consciente da inadequação moral de tal existência, os homens tentam sublimá-la, restringindo seus desejos individuais em favor da comunidade em que vivem. Assim, o nacionalismo se torna a religião dominante do dia, e desejos individuais se limitam apenas à questão do desejo de grupo, mais graves e mais destrutivos do que os dos indivíduos. O nacionalismo é simplesmente uma das formas eficazes em que escapa os problemas éticos do homem moderno. Delegando seus vícios a grupos cada vez maiores, imaginam-se virtuosos, quanto maior o grupo, tanto mais difícil é determinar a responsabilidade moral para uma ação antiética.
.Seria de se esperar demais da religião encontrar um antídoto imediato para o naturalismo e o secularismo que a visão de mundo científico moderno criou. Era inevitável que o mundo natural, negligenciado por séculos, se vingasse sobre o espírito humano, tornando-se uma obsessão da mente humana. Mas não se pode dizer que a religião tem sido particularmente sábia na estratégia de se desenvolver em oposição ao naturalismo. A Religião tentou salvar-se pelo simples expediente de insistir que a evolução não era mecanicista, mas criativa, ao descobrir Deus no processo evolutivo. Na medida em que isto significa que há espaço para a liberdade e efeito no processo evolutivo, não é possível brigar com os defensores da fé. Mas há, afinal, pouca liberdade ou finalidade no processo evolutivo – na reduzida, pequena moralidade, de modo que, se se pode encontrar Deus somente como ele é revelado na natureza, não temos Deus moral.
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Seria tolice afirmar que a defesa de um teísmo moralmente adequado no mundo moderno, seja uma tarefa fácil; mas não é impossível. No entanto, a maioria modernista esquiva-se disso. O Modernismo no seu conjunto se refugiou em diversos tipos de panteísmo, e panteísmo é sempre destruidor de valores morais. Identificar Deus com processos automáticos é destruir a consciência de Deus, o Deus do real nunca é o Deus do ideal. Um das mais vãs ilusões de que os religiosos se entregam é supor que a religião é inevitavelmente um apoio moral. Existem dois fatores supramoral e submoral na religião. O Professor Santayana faz a discriminação entre os dois instintos na religião, o instinto de piedade e do instinto da espiritualidade, de um que procura santificar as limitações necessárias da vida e de outro que procura superar o panteísmo, inevitavelmente fortalece as forças de religião, que tende a santificar o real ao invés de inspirar o ideal.
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É por isso que o modernismo, que têm descartado muitas das tendências antimorais da religião, envolveu-se em monismo e panteísmo filosófico religioso mais severamente do que já fez a ortodoxia, foi assim um ligeiro ganho moral para a humanidade. A religião Liberal simboliza o termo Deus como uma totalidade de realidades, que a ortodoxia, com um verdadeiro instinto moral só poderia compreender com nada mais que dois termos, Deus e o diabo. Seria melhor desafiar a imoralidades da natureza em nome de um humanismo saudável, do que tomar o caminho que a religião mais moderna escolheu e ausentar da operação as necessidades distintas do espírito humano pela leitura da humanidade nos processos essencialmente desumanos da natureza. Há pouco a escolher entre o desespero em que o naturalismo puro nos tenta quando analisamos o cenário humano e o otimismo fácil que a religião mais moderna encoraja. O que precisamos é tanto o espírito de arrependimento quanto o espírito de esperança, que pode ser inspirado apenas por um teísmo que saiba como descobrir o pecado, submetendo o homem a padrões absolutos e como conservá-lo do desespero por sua confiança em valores absolutos.
.A secularização da vida moderna é, em parte devido ao avanço da ciência, mas também às insuficiências morais do protestantismo. Se o protestantismo liberal é muito panteísta, o protestantismo tradicional é muito quietista para atender os problemas morais de uma época social complexa. Protestantismo, como o Professor Whitehead em sua “Science and the Modern World” (ciência e o mundo moderno), com uma visão rara, salientou, não tem compreensão das forças sociais e os fatores que incidem sobre a personalidade e a condição humana. Ele acredita que a justiça pode ser criada em um vácuo. Ela não produz sentimento de tensão entre a alma e seu ambiente. As conversões de que dispõe pode gerar efeito moral, mas o efeito moral é aplicado a um campo muito limitado de motivos onde a aplicação é mais ou menos automática. Ajuda os homens a dominar aqueles pecados que são facilmente descobertos porque representam a divergência de costumes morais: os pecados de desonestidade, incontinência sexual e intemperança.
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Nenhuma religião é mais eficaz do que o protestantismo, contra os grandes pecados sociais de nossos dias, ganância econômica e ódio racial. Em um recente julgamento de negros, crescidos fora de um distúrbio racial em um de nossos centros metropolitanos, o advogado de defesa astutamente manipulou a seleção do júri para que houvesse pelo menos uma minoria de judeus e católicos na caixa de júri, e relata-se que os seus votos foram para a defesa quando o júri não conseguiu chegar a uma decisão. Nenhum progresso real pode ser feito contra a secularização da vida moderna, até que o protestantismo supere seu orgulho e satisfação e perceba que ele próprio é conivente com os secularistas. Dando aos homens um sentimento de vitória moral, porque dominam um ou dois desejos, enquanto o seu desejo de poder e seu desejo de ganhar permanecem indisciplinados, está simplesmente agravando os desejos que são os principais perigos da civilização moderna.
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O protestantismo reagiu contra o dualismo na ética católica romana, que produz o ascetismo de um lado e uma conivência fácil de encontro com a fraqueza humana, de outro. É verdade que existe um dualismo na ética católica romana, que pode desenvolver, digamos, um cardeal O'Connell, por um lado e um cardeal Mercier, por outro. Mas, o protestantismo tem um dualismo igualmente grave, que produz um cardeal O'Connell e um cardeal Mercier na mesma pele, um pagão e um puritano em uma pessoa, cujo puritanismo torna-se um analgésico eficaz para uma consciência não completamente condescendente nos pecados do paganismo. Se uma escolha deve ser feita entre ética monástica e quietista, a ética monástica certamente deve ser chamada de mais cristã, porque é melhor que o mundo esteja temeroso do que estar abraçado com uma boa consciência.
Como uma inquieta ansiedade sobre uma série de tentações lascivas pode desenvolver uma perfeita complacência em relação a outras tentações, pode ser considerada pelo fato de que a igreja não é agora tão consciente de alguns dos pecados da civilização moderna, como alguns dos nossos mais profundos realistas. Se Scott Nearing teve a atenção de Nova York, ele poderia condená-lo do pecado, certamente mais do que pode o bispo Manning. The National alerta seus leitores a uma consciência de pecado social mais eficazmente do que faz por exemplo o Watchman-Examiner. É significativo também, que a grande parte do país em que as igrejas insistem em "regenerar grupos" e os recrutamentos de tal adesão é feita por restaurações persistentes, é mais gravemente danificada pelo pecado de ódio racial. Protestantismo: - enquanto que o Catolicismo Romano afastou-se do melhor medievalismo, o catolicismo, também - não tem a compreensão dos fatores complexos do ambiente, dos quais a personalidade emerge. É sempre "salvar" os indivíduos, mas não salvá-los da ganância e do ódio em que são tentados pela sociedade em que vivem. Protestantismo pode-se dizer, parece não saber que a alma vive em um corpo, e que o corpo é parte de um mundo em que as leis da selva ainda prevalecem.
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Talvez pode não ser irrelevante acrescentarmos que sua incapacidade de compreender a relação entre o físico e o espiritual, não apenas tenta o protestantismo à criar a justiça em um vácuo, mas, à desenvolver a piedade sem o símbolo adequado.
.É por isso que os trabalhos das seitas protestantes radicais tendem a se secularizar, afastando de uma vez aquela primeira espontaneidade ingênua de sua vida religiosa. Na Europa, os protestantes não conformistas tendem cada vez mais a abraçar a beleza uma vez desprezada dos símbolos e a dignidade da forma, a fim de salvar o culto da estupidez e futilidade. Na América do protestantismo não conformista, com menos bagagem cultural, tenta evitar a monotonia pela teatralidade vulgar. Os quakers sozinhos escaparam desse destino, porque a sua exclusão do símbolo é tão rigorosa que o silêncio se torna símbolo. Se a adoração é para servir ao homem ético, bem como as necessidades religiosas, deve dar-lhe um sentido de humilde submissão ao absoluto. A humildade esta faltando na adoração do protestante, uma vez que está faltando na civilização protestante. Se esta humildade é medieval, não podemos salvar a civilização sem medievalismo.
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Reinhold Niebuhr.Um dos principais filósofos e os teólogos do século XX. Reinhold Niebuhr foi durante muitos anos professor no Union Theological Seminary de Nova Iorque. Ele é o autor de muitos clássicos no seu campo, incluindo The Nature and Destiny of Man (a natureza e o destino do homem), Moral Man and Immoral Society (homem moral e sociedade imoral), The Children of Light and the Children of Darkness (Os Filhos da Luz e os filhos das trevas, and Discerning the Signs of Our Times (discernindo os sinais dos tempos). Foi também editor-fundador da publicação Christianity and Crisis (cristianismo e Crise). Niebuhr advertiu em 1926 contra defeitos eclesiásticos e culturais, que uma geração posterior estava por amplamente e tristemente reconhecer. Este artigo foi publicado no Christian Century, 22 de abril de 1926. Copyright by The Christian Century Foundation, usado com permissão. Os atuais artigos e informações de inscrição podem ser encontrados em www.christiancentury.org. Este artigo foi preparado para Religion Online by Ted & Winnie Brock...
Tradução: Lailson Castanha
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Entre a razão e a loucura.


Passaram-se séculos e séculos, e na mesma movimentação gerações e gerações também passaram. Nesta passagem história muitíssimas ideias foram engendradas e admitidas, como também, posteriormente rejeitadas.
Na era clássica, considerada o apogeu da razão, em terras gregas, nasce a filosofia. As primeiras movimentações racionais, tidas como articulações do pensamento lógico foram registradas naquele lugar e momento histórico. Na ambiência grega, no período clássico, foram registrados os problemas que os homens começavam a levantar, problemas esses frutos de mentes reflexivas, que pediam soluções racionais. Por soluções racionais, podemos entender como: soluções buscadas a partir de ponderações da mente humana, distanciando-se de respostas místicas reducionistas, ou presas nos costumes e nas tradições.
Os primeiros filósofos como Tales, Anaxímenes e Anaximandro de Mileto, bem como Heráclito de Éfeso e Parmênides de Eléia buscavam entender a origem das coisas, em palavras comuns, como surgiu o mundo, do que ele foi formado e qual a sua substância fundamental. Questões do Ser e do Devir foram também tratadas, respectivamente por Parmênides e Heráclito, que também aborda a noção de Lógos. Em Sócrates, e posteriormente, com Platão e Aristóteles outras questões foram levantadas, como: política, ética, conhecimento, fundamento da realidade, constituição, características e atributos humanos, arte, essência, contingência, além do início das coisas, entre outras. Os três grandes filósofos citados influenciaram as gerações posteriores, e tiveram os seus pensamentos como pressupostos para os sistemas de ideias que se formariam, tanto que os grandes pensadores do período helênico como os grandes filósofos religiosos medievais tiveram como base para suas filosofias, Sócrates Platão e Aristóteles. Os pré-socráticos Parmênides e Heráclito, também exerceram muita influências na mente dos filósofos posteriores
Fora da Grécia, até mesmo antes de sua da era clássica, também foram registradas muitas agitações do pensamento humano resultando na criação de muitas questões. Por exemplo, as Escrituras Judaicas, narram as indagações do Eclesiastes, atribuída a Salomão, sobre questões da existência como: temporalidade/finitude, o problema da vaidade, injustiça, sabedoria e ignorância entre outras. Nas mesmas escrituras, o problema do mal e da aparente ausência da justiça, são problematizadas no livro do profeta Habacuque. Vemos questões semelhantes nos Salmos, no livro de Jó, e em outros profetas bíblicos.
Voltando a historia Ocidental, a existência, atributos e ação de Deus, passam a ser exaustivamente cogitadas. Na Idade Média, desde o seu início no século IV, com Santo Agostinho, Deus passa a ser problematizado. Os filósofos cristãos, já tendo como pressuposto, a ideia de Deus como regente do universo, herdada da precedente tradição patrística dos primeiros anos da era Cristã, passaram a conjecturar a ideia de Deus, atribuindo-lhes características, estudando atributos tidos como seus e explicando supostas determinações, motivações e decretos divinos, além de tentar explicar o seu ser. A partir deste momento histórico, a filosofia passa a trabalhar ao lado da teologia tendo entre seus maiores articuladores filósofos religiosos, como, o já citado Santo Agostinho (cristão), Santo Anselmo (cristão), Abelardo (cristão),
Averróis (muçulmano), Avicena (muçulmano), Maimônides (judeu), São Tomás de Aquino (cristão). Esses filósofos, além de tratar questões metafísicas, trataram também de questões existenciais, mesmo que pautando suas ideias em realidades ontológicas. Entre essas abordagens, talvez a mais importante seja a questão da liberdade. Afinal, existe livre-arbítrio humano, ou Deus, absolutamente determina tudo?
Num outro momento, na Renascença,(XIII – XVII), talvez mais firmemente no século XV, o homem procurou reavivar a atitude racional, ou seja, a atitude do livre pensar. Esse ato foi uma reação contra o pensamento medieval, preso em pressupostos dogmáticos, que por tal característica, impediam o homem de pensar livremente. Essa tomada de posição favoreceu a empresa científica – que passou a engendrar e alcançar grandes inventos e descobertas. Talvez, Pico della Mirandola (1463-1494), foi o grande impulsionador desse novo momento, quando publicou o seu Discurso sobre a Dignidade do Homem. A renascença patenteou-se como a era da razão e do humanismo.
A era da razão, teve como grande representante o filósofo francês René Descartes (1596—1650). Com o sua cérebre afirmação Cogito Ergo Sun, apresentou a razão, como primazia do saber. O inglês Francis Bacon (1561—1626), por propor a reforma do conhecimento e com isso inaugurando um novo modelo epistemológico, que deu origem a ciência moderna, também foi um nome de grande importância. O advento da Reforma iniciada no século XVI com a tese defendida por Lutero de que o homem podia, por si só, interpretar as Escrituras, sem o auxílio dos bispos da igreja, revigorou ainda mais o sentimento de liberdade e valor humano mesmo não intentando tal fim.
Na esteira humanista figuras como Erasmo de Rotterdã (1446-1536), Luis de Molina (1535-1600) se destacam. Entre suas teses estavam a da liberdade humana, mesmo diante da grandeza de Deus. Em outras palavras, o humanismo defendido por esses filósofos assentava-se na ideia de que a soberania de Deus não eliminava a liberdade do Homem.
Apesar da época, e de seus contornos humanistas, o dogmatismo não deixa de mostrar sua força. O próprio Lutero, outrora defensor da livre interpretação bíblica, lança ataques odiosos contra Erasmo por conta de sua posição favorável a ideia do livre arbítrio. O ranço teológico se acentuou ainda mais, com as pressuposições teológicas de Calvino (1509-1564), principalmente em sua noção de predestinação e eleição. Para ele, Deus absolutamente predestina o homem para salvação ou para danação, sem nenhuma relação com suas ações. Para o homem, ser caído, vítima do pecado original, não restava nada, a não ser se submeter à eleição ou reprovação incondicional de Deus. O pensamento calvinista, a despeito da ambiência renascentista, começa a se tornar intolerante. O teólogo holandês Jacobus Armínius (1560-1609), foi uma das figuras mais atacada pela intolerância calvinista. Defendendo a condicionalidade nos juízos de Deus, a saber, salvação para os que escolhem o seu filho, e danação para os que o rejeitam, foi duramente perseguido por partidários do calvinismo, tendo que, em boa parte de sua vida manifestar seus sentimentos a respeito de questões controversas. Em um dos seus escritos, numa atitude defensiva, procura mostrar que seus sentimentos, além de estar em harmonia com as Escrituras, são corroborados pelos escritos de várias autoridades eclesiásticas, entre elas, alguns pais da igreja, Santo Agostinho (354-430) em alguns pontos, e São Tomás de Aquino (1225-1274).

Não foi só o pensamento calvinista que se tornou um peso para os filósofos e teólogos de tradição liberal renascentista. Outros ramos religiosos também perseguiram os livres pensadores, dentre eles, o catolicismo com sua inquisição, o judaísmo e o islamismo. A indisposição judaica em admitir livres pensadores tratou o filósofo Baruch de Spinoza (1596-1650) com muita hostilidade. Dantes, tendo sua família perseguida pela inquisição católica, por conta de suas raízes judaicas, fora posteriormente, duramente perseguido e rejeitado pelos judeus, pelo fato de divergir com o conceito de Deus defendido pala tradição judaica, apresentando um Deus ligado a todas as coisas.
Mais tarde um clérigo britânico, adepto do anglicanismo John Wesley (1703-1791), luta por reformas sociais na recém industrializada Inglaterra, que incluiu, entre suas propostas a reforma trabalhista, reforma carcerária, reforma educacional e a abolição da escravatura. Além de se engajar pelas reformas sociais, assumiu a até então vilipendiada teologia arminiana, tendo escrito um texto em defesa do arminianismo e contra a intolerância antiarmiana. Wesley foi o primeiro clérigo a assumir a teologia arminiana. Ademais, foi de sua inspiração que nasceu a Igreja Metodista, pois Wesley, apesar de anglicano procurou viver uma espiritualidade mais intensa, e na vivência dessa espiritualidade incitou um grande avivamento na Inglaterra que inflamou os cristão a se preocuparem com a pessoas ostracizadas da sociedade, pessoas que o meio religioso em que vivia não se importava ou simplesmente ignorava. A Igreja Metodista nasceu como fruto de seu engajamento em prol de uma nova espiritualidade.

No devenir histórico o homem procura o esclarecimento, busca arduamente as luzes da razão. Esse é o espírito do iluminismo (vigoroso no século XVIII), que na ideia de Kant, inauguraria um novo momento na humanidade, em que o homem sairia da menoridade para a maioridade, rejeitaria o hábito de simplesmente acatar ideias alheias, para pensar de maneira autônoma.
Com John Locke (1632-1704), e seu principio liberal, e Dave Hume (1711-1776) e seu empirismo cético, as sociedades pouco a pouco foram se desvencilhando do predomínio do pensamento dogmático, passando a exercer a sua liberdade de pensamento. A assertiva de George Berkeley (1685-1753) de que se o que conhece nada mais é que um feixe de sensações, e que a totalidade do real apenas é percebida por Deus, abriu espaço para que o homem se afastasse das ideias dogmaticamente formatadas – já que, do que se observa, nada se sabe fundamentalmente.
Com a bandeira da Liberdade, Igualdade e Fraternidade, as barreiras da intolerância, se não foram totalmente suprimidas, foram diminuídas. Nomes como: John Locke (1632-1704) defensor do estado liberal, Voltaire (1694-1778), defensor da liberdade das ideias e crítico da mesquinhez religiosa; Jean-Jacques Rousseau (1712-1778) que incitou o homem a buscar a liberdade no Estado; Montesquieu (1689-1755), que formulou a divisão do poder político em Legislativo, Executivo e Judiciário; e Immanuel Kant(1724-1804) que defendeu a necessidade de o homem buscar o esclarecimento, a fim de passar da menoridade para a maioridade, para ser capaz de fazer uso de seus próprios juízos; foram os grandes filósofos do iluminismo.
Se as preocupações dos homens foram se alterando, novos problemas também foram surgindo. Na contemporaneidade, problemas como trabalho, alienação do homem, liberdade, existência, crise civilizatória e pessoa humana; angústia, absurdidade e falta de sentido da vida, ganham contornos expressivos. Søren Kierkegaard (1813 – 1855) rejeitando a estática filosofia hegeliana do Espírito Universal, levanta o problema da existência – com isso a vida passa a ser interpretada como algo dinâmico, e não como ideias determinadas, como partes componentes de um espírito universal absoluto. Também acusou a igreja visível de estar esvaziada de Deus. Depois do filósofo dinamarquês, a questão da existência e do problema do homem enquanto ser existente, esteve envolvida em quase todos os grandes debates filosóficos. A chamada de atenção aos problemas existenciais foi tão forte, que chegou a invadir outros espaços da produção intelectual. A literatura reproduziu o tema, que invadiu também as dependências da religião. Se Kierkegaard levantou o problema da existência, e da angústia do homem envolvido num mundo que não compreende, o alemão Karl Marx (1818 —1883) outro grande e influente pensador, ainda no âmbito da existência, tratou a questão das necessidades materiais do homem existente. Em torno do problema das preocupações existenciais e suas contingências, filósofo, literatos e religiosos foram problematizando e desenvolvendo várias questões, sempre tendo no homem a sua preocupação central. Problemas como o desespero humano, angústia, ansiedade, alienação do homem diante da natureza e do trabalho, despersonalização do homem civilizado, entre outros, foram exaustivamente discutidas em vários círculos intelectuais. Filósofos, teólogos e literatos como: Dostoiévski (1821-1881), Nietzsche (1844-1900), Franz Kafka (1883-1924), Paul Tillich (1886-1965, Gabriel Marcel (1889-1973), Graciliano Ramos (1892-1953), Reinhold Niebuhr (1892–1971), André Malraux (1901-1976), Emmanuel Mounier (1905-1950), J-P.Sartre (1905-1980), Albert Camus (1913-1960), abordaram esses temas com pertinácia e inquietude. Com Tillich a teologia entra nas questões da existência buscando também dialogar com a cultura com o fim de promover uma comunicação da teologia com a sociedade. Advogava que a teologia não pode estar fechada em si mesma, ela deve interagir com a existência e suas demais formas a fim de conhecer os problemas que se apresentam Com ele, as tradições eclesiásticas são tratadas como símbolicas. Tratando questões do transcendente, mas presas em nossa finitude, os ritos e os termos religiosos com a carga expressiva que carregam, são colocados na categoria de símbolo. Defende que Deus não está preso em normas e padrões eclesiásticos, e age inclusive, em variadas manifestações culturais. Mounier por sua vez, reclama da religião desencarnada, e procura instaurar uma civilização personalista e comunitária, onde a pessoa tenha espaço para atualizar a sua vocação, deixando de ser tratada como uma mera coisa. Em relação ao cristianismo, defendia que os valores deveriam ser encarnados, não apenas proferido, a semelhança do lógos que se fez carne, todo o cristão deveria encarnar a palavra que crê e não apenas parolar. Já Reinhold Niebuhr (1892–1971) tratando do problema da falta de controle ético, entendia que isto é um problema desencadeado pela quase que total secularização da sociedade, principiada pelo intenso avanço das ciência físicas e a falta de capacidade de os cristãos ajustar os interesses éticos e espirituais da humanidade em relação a ciência que avança .

Num simplório passeio pela historia do pensamento percebemos a pluralidade de conceitos e ideias que a razão engendrou e que ainda cria.
A história ainda não acabou e nos convida a participar desse intenso debate com o fim de conhecer a verdade, ou chegar o mas perto dela possível. Hoje vivemos um grande problema, não fazemos jus a nossa condição de seres racionais, estamos acomodados nas ofertas do entretenimento fácil e confortável. A televisão e demais mídias estão a nos iludir com informações rasteiras e superficiais. Estas informações, acomodam nosso espírito, enfraquecendo nossa disposição em procurar a verdade e o conhecimento.

Será que não temos mais motivo de encontrar o conhecimento? Será que o que conhecemos já nos basta?

Pelo contrário, muitas questões ainda não foram solucionadas. Problemas éticos, religiosos, filosóficos, teológicos, psicológicos, pedagógicos e sociológicos, só para citar alguns, ainda precisam ser tratados. Não chegamos a maioridade como previa Kant, ainda eufórico e excitado pelo iluminismo. Se não chegamos ainda a era do esclarecimento, devemos parar? Devemos nos resignar? De forma alguma. Como afirmou Jesus, “vós sois a luz do mundo. Não se pode esconder a cidade edificada sobre um monte; nem se acende uma candeia para colocá-la debaixo do alqueire, mas no velador, e alumia a todos os que se encontram na casa”.
A mente humana deve ser usada para iluminar as nossas ações, para desvendar a natureza, para levantar problemas e solucionar os problemas que se levantam. Sem problemas levantados não existiriam as respostas a esses problemas. Muito do que já sabemos, são frutos de respostas a problemas levantados por mentes inquietas, mentes que levaram a sério sua vocação de alumiar as trevas da ignorância.
Assim como há trigo, há também o joio, da mesma forma, fazendo-se verdadeiro, existe o falso. Na mesma linha lógica, transvestida de razão está a loucura. Mas qual seria a diferença entre elas? como poderíamos detectar a loucura, já que se apresenta como razão? Me aproveitando da sabedoria de Jesus de Nazaré, com ele, respondo: pelos seus frutos os conhecereis. Assim, toda árvore boa produz bons frutos, porém a árvore má produz frutos maus. Não pode a árvore boa produzir frutos maus, nem a árvore má produzir frutos bons. Portando a medida entre o falso e o verdadeiro esta na prova de seus frutos.
Qualquer sistema de ideias que não consegue entrar em sintonia com a razão, não pode ser considerado válido. Os loucos também se pautam em seus sistemas, mas como já disse alguém que não me recordo, são sistemas fechados em seu próprio mundo, não conseguindo servir como respostas a nenhuma questão fora de seus limites particulares, apenas, na mente isolada de tal mente demente.Todas as suas impressões são respostas de seu mundo particular que as tem como definitivas. Daí perguntamos: fora do limite da mente demente, seu sistema de ideias pode responder satisfatoriamente qualquer questão racional?
A mesma indagação deve ser colocada sobre qualquer sistema de ideias, ou seja, o tal sistema pode responder racionalmente as questões que se apresentam na minha existência, ele pode apresentar respostas satisfatórias ou pelo menos respostas racionais? Se o sistema apresenta um amaranhado de ideias que entram em choque com os próprios termos que utiliza, considere-o como insatisfatório, e como tal inapropriado. As contradições sistêmicas quase que em sua maioria invalida o projeto sistemático, principalmente quando se trata de questões fundamentais. Assim sendo, procure os caminhos que os sistemas indicam, se te levarem a satisfação racional, não que isso já seja a resposta definitiva, pode ser considerado, ou ao menos ser comparado com outros sistemas. O perfeito sistema racional tem que se sustentas diante das questões que se apresentam.

A razão humana nunca foi capaz de banir a ação da loucura. Mesmo nas mentes que produziram maravilhosos edifícios da razão, a loucura encontrou espaço para agir e agir de forma engenhosa. As inquisições, violentas perseguições, criadas para satisfazer as exigências dogmáticas frutos de teorias teológicas ou frutos de particulares sistemas filosóficos ou até mesmo de interpretações pessoais, são grandes exemplo que a luz da razão muitas vezes se enfraquece diante da obstinada e poeirenta loucura humana.
A razão muitas vezes, deu espaço para a loucura. Ainda hoje, por exemplo, nos diversos debates teológicos, em nome de dogmas, religiosos se agridem para defender a linha teológica que adotam, políticos não dialogam por conta da bandeira ideológica que ostentam, pessoas se distanciam de seus próximos por diferenças étnicas, sociais, religiosas e nacionais. Diante desse quadro pesaroso, uma proposta se levanta. Que tal usarmos a nossa razão e com ela tentarmos resolver o problema da loucura que vez por outra domina a mente dos homens que se deixam tomar pela vaidade de seus projetos e de suas escolhas?
Ainda há muito o que fazer em prol da razão e do conhecimento, ficaremos parados diante de tal demanda? Nos acomodaremos diante dos confortos do não pensar e da indiferença? Ou nos engajaremos na empresa do pensamento a fim de construirmos sistemas que cada vez mais encurrale a loucura em estreitos espaços, e por consequência, cada vez mais conquiste espaço para a ação da razão humana? Nos inspiraremos nos bons exemplos que nos precederam, ou ficaremos estáticos diante da ignorância que nos rodeia?
Seremos racionais ou viveremos como loucos presos em pequenos e fechados sistemas particulares de ideias que nada de edificante tem a transmitir para a sociedade humana?

Lailson Castanha